Décio de Almeida Prado, o ensaísta e professor considerado, por duas décadas, como o mais influente crítico teatral de São Paulo, viu, em 1947, no Teatro Fênix do Rio de Janeiro, Sérgio Cardoso, então um jovem ator paraense de 22 anos de idade, representar o papel do príncipe dinamarquês, o atormentado Hamlet, criado por Shakespeare nos anos de 1600. Décio, na ocasião, o inseriu num “teatro mais de carne e nervos que de pensamento”.
Apontando na sua forma de atuação uma “fuga decidida ao naturalismo, nos gestos e inflexões”. “São realmente espantosas”, as qualidades do jovem ator, ele acrescentou. Dois anos depois, o mesmo crítico viu Sérgio Cardoso atuar numa comédia popular dos anos de 1700, O Mentiroso, de Carlo Goldoni, encenada no TBC, de São Paulo. Nela ele representou Lélio dos Bisonhos, um anti-Hamlet, esperto e desenvolto.
Décio, então, escreveu: “Sérgio Cardoso é um extraordinário comediante, no sentido mais alto, de artista capaz de nos falar antes à imaginação e ao espírito do que aos sentidos”. Esta espantosa capacidade de mudar completamente sua forma de representar, a ponto de, numa peça, parecer “mais carne e nervos”, e, em outra, falar mais ao espírito que aos sentidos, Sérgio iria preservar nos 14 anos seguintes em 31 peças.
“Tudo queria abranger”, escreveu sobre ele Maria Thereza Vargas, pesquisadora pioneira da História do Teatro Brasileiro. Em sua mente, ela continua a ver Sérgio nos palcos, como se o ator não tivesse morrido, há 41 anos. Escreve: Sérgio “tece finas teias de Sófocles, Oscar Wilde, Máximo Gorki, da mesma forma que se aperfeiçoa nas delicadezas de Jean Anouilh, no riso de Tchecov ou Sauvajon, e, na dramática e repugnante personalidade de Garcin, o covarde desertor de Entre Quatros Paredes de Jean Paul Sartre”.
Ele se aventura em Pirandello, em Noel Coward e num musical de Vicente Catalano”. Encanta crianças como Simbita, personagem do Teatro Infantil de Lúcia Benedetto. E demonstra ainda mais talento e arrojo quando mergulha na dramaturgia nacional. “Em Lampião, de Rachel de Queiroz trabalha com esmero a voz e o corpo, compondo uma figura solitária, desconfiada e triste, levemente sinistra”. Já em A Falecida, de Nelson Rodrigues, como Tuninho, sua genialidade percorre, em minutos, o ódio, o entusiasmo, o desespero. Num crescendo, conclui a pesquisadora.