Checco Zalone, cujo nome civil é Luca Medici, é um fenômeno italiano. Aos 39 anos, comediante, escritor, músico, cantor, tem sido responsável pelos maiores sucessos do cinema italiano dos últimos tempos. Pouco conhecido no Brasil, seu filme mais recente, O Funcionário do Mês, chega agora ao circuito comercial.
Nele, Checco interpreta um funcionário público. Valoriza o posto estável mais que a própria vida. Por isso é compreensível que resista como fera a um plano de demissão voluntária. Mesmo quando, sob as ordens de uma supervisora sádica, é transferido para os postos mais improváveis do mundo, em lugares selvagens ou cercados de gelo por todos os lados. O obstinado Checco não desiste e dá provas de extraordinária capacidade de adaptação.
O filme tem momentos engraçados, como quando ele vai parar em um país nórdico e deve se habituar a códigos de conduta que contrastam com hábitos latinos, digamos assim, mais relaxados. O comportamento selvagem no trânsito, o jeitinho no trato com as pessoas, as tentativas de enganar o árbitro durante um jogo de futebol lembram muito os nossos comportamentos nas mesmas situações. Como Checco parece fazer a apologia dessa “italianidade” um tanto anárquica, foi acusado, em seu país, de tolerante com hábitos arraigados, porém viciosos. A crítica também não o poupa, mas ele também não perdoa a crítica, como diz sem rodeios na entrevista abaixo.
Fala da parceria com Gennaro Nunziante, seu conterrâneo de Bari, com quem escreve os roteiros e que dirige seus filmes. Acredita que o público é mais inteligente do que pensam os intelectuais e decodifica muito bem as alusões presentes em suas comédias. De qualquer forma, esse público o tem prestigiado sem dar mostras de cansaço. Seus filmes anteriores, Cado Dalle Nubi (2009), Che Bella Giornata (2011), Sole a Catinelle (2013), foram todos êxitos de bilheteria. Mas êxitos maiúsculos, de bater cinema americano, deixando no chinelo títulos como Avatar e Titanic.
O Funcionário do Mês deu mais público que Star Wars – O Despertar da Força. Será que funciona fora dos limites italianos e em particular no Brasil? Ele também está curioso para saber.
O Funcionário do Mês é o filme italiano de maior bilheteria de todos os tempos. A que atribui esse sucesso?
Para muitos críticos de cinema, o sucesso estelar do filme deve-se à ignorância do público. Eu confio mais na opinião de sociólogos e antropólogos, que, infelizmente, ainda não se pronunciaram.
A história é baseada no apego do personagem ao emprego público. Trata-se de fato de uma obsessão italiana?
Sim, acho que até hoje é uma das maiores aspirações do italiano, aquela do emprego seguro e circundado de proteções. Creio, no entanto, que vamos numa direção completamente oposta e será preciso habituar-se a ela, embora minha mãe pense o contrário.
Alguns críticos reprovam alguns traços do filme, segundo eles indulgentes com certo caráter italiano. Por exemplo, ao fazer a apologia das violações no tráfego ou ao tentar enganar os juízes de futebol, simulando faltas. São lugares-comuns ou críticas a esse modo de ser do italiano?
Não faço nenhuma apologia, busco apenas encarnar os vícios do italiano. Isso não significa exaltá-los, e muito menos condená-los, colocando-me num plano moral superior, como fazem muitos colegas. Antes de mim, aliás, diversos atores da grande comédia italiana haviam feito a mesma coisa, como o insuperável Alberto Sordi.
Neste ponto, aliás, nota-se semelhança entre a mentalidade italiana e a brasileira, como o hábito de levar vantagem, desobediência à lei e rebeldia à ordem. Você conhece o Brasil?
Conheço o Brasil pela beleza da paisagem, o fascínio e as curvas das mulheres, a alegria das pessoas, o gênio dos jogadores de futebol, a energia do samba. São apenas lugares-comuns? Espero que não, de outra forma renuncio à viagem ao Brasil, que tenho programada há muito tempo.
A commedia allitaliana dos anos de ouro (Monicelli, Risi, etc.) fazia rir e, ao mesmo tempo, fazia pensar. É também esta a sua ambição como ator e escritor?
Eu penso que o cômico deve fazer rir, o que é muito mais difícil do que fazer pensar. Óbvio que se alguém sai da sala e volta para casa “pensando” em não ter rido por banalidades ou vulgaridades gratuitas, isso só me dará prazer. O importante é que não se convença de haver encontrado em meu filme a solução dos problemas do mundo, porque, nesse caso, é certo que se enganou.
Fale um pouco da sua colaboração com Gennaro Nunziante, que dirigiu todos os seus filmes. Como dividem o trabalho na preparação do filme e no set?
Eu e Gennaro somos amigos há mais de dez anos. Ele é mais velho que eu, mais culto e em alguns aspectos tem uma sensibilidade diferente da minha. Antes de começar a escrever um filme, falamos muito e muito, e de temas importantes, como a globalização, as guerras, a espiritualidade, o menor apego às raízes cristãs nos povos europeus, etc. Mas tomamos cuidado de não colocarmos esses tópicos de maneira excessiva ou presunçosa no que escrevemos. Mas eles entram no roteiro e a coisa absurda é que o “espectador médio”, com muita frequência, os compreende e comenta, o que nos dá imenso prazer. Os críticos autorais e entediados, pelo contrário, no mais das vezes, não têm a paciência de escavar um significado, um pensamento, uma mensagem (ainda que eu deteste essa palavra) entre uma risada e outra. Limitam-se a liquidar a nossa obra com a palavra “filminho”.
Por fim, como vê o momento atual do cinema italiano e, já que você também é músico, da música italiana? O pós-Berlusconi tem sido melhor para a cultura italiana em geral?
Há muitas ótimas cabeças e muitos jovens promissores na Itália. O problema é conseguir ultrapassar os limites nacionais e falar a uma plateia mais vasta. Estou muito contente com essa distribuição internacional do filme e curioso para ver como andará, em particular nos países onde for dublado. No que diz respeito ao tempo pós-Berlusconi, não estou seguro até que ponto seja diferente da era Berlusconi. Apenas que Berlusconi dava presentes formidáveis a nós, cômicos…
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.