Apesar da inflação descontrolada e do ainda alto índice de desemprego, a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia acredita que os R$ 30 bilhões liberados para saques extraordinários do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) serão usados principalmente para quitar dívidas antigas, e não para reforçar o consumo das famílias.
Com base nos resultados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a SPE publicou um estudo nesta quinta-feira com estimativas de uma redução entre 10% a 13% no número de famílias endividadas a partir dos saques de até R$ 1.000 do FGTS.
O órgão realizou o estudo apenas para a Região Metropolitana de São Paulo, estimando que 100 mil famílias pagarão suas contas em atraso, em um universo de 900 mil famílias inadimplentes na Grande São Paulo.
A SPE não apresentou valores para as dívidas que seriam potencialmente pagas com os recursos do FGTS e nem replicou o estudo para o total de famílias endividadas no Brasil.
O secretário da SPE, Pedro Calhman, admitiu ainda que não há como garantir que os recursos serão mesmo usados para quitar contas em atraso. "Não controlamos como as pessoas vão usar o dinheiro. Os recursos vão ser usados da forma que as famílias acharem melhor. Não temos como garantir que as pessoas usarão para pagar dívidas, mas o objetivo da medida foi essa. O que verificamos é que liberações anteriores tiveram impacto significativo no pagamento de contas, sobretudo pelas famílias de baixa renda", afirmou. "Mas quem entra na inadimplência não consegue novas operações de crédito e pode inclusive perder um bem financiado", lembrou.
Em 18 de março, o governo publicou a Medida Provisória 1.055, que liberou os saques extraordinários de até R$ 1.000 conforme um cronograma por mês de nascimento. Os recursos começaram a ser disponibilizados no dia 20 de abril para os nascidos em janeiro e, na quarta-feira, 4 de maio, começaram os saques para os nascidos em março.
Cerca de 42 milhões de trabalhadores têm contas ativas no FGTS. Deste total, 49,1% têm saldo até R$ 1.200, 28,3% até R$ 5.000, 17,0% até R$ 20.000 e 5,6% acima de R$ 20.000.
Mesmo se tratando de valores que estavam retidos nas contas do FGTS para serem sacados apenas em casos específicos, Calhman argumentou que a liberação dos R$ 30 bilhões não significa a injeção de recursos novos na economia. Tanto que a SPE não apresentou nenhuma avaliação de efeito sobre a demanda ou impacto sobre o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano.
"Essa medida não tem nenhum impacto inflacionário, porque não se trata da liberação de dinheiro novo na economia. O trabalhador não podia usar, mas o dinheiro já estava na economia, aplicado pelo FGTS. Não é uma política fiscal com efeito sobre a demanda agregada. Essa é uma medida pelo lado da oferta porque visa corrigir uma má alocação de recursos", insistiu o secretário.
Como mostrou o Banco Central na semana passada, o endividamento das famílias brasileiras com o sistema financeiro fechou 2021 em 52,6%, novo recorde da série histórica, após 43,9% em 2020. Se forem descontadas as dívidas imobiliárias, o endividamento ficou em 33,0% em 2021, ante 26,9% do ano anterior.
Já o comprometimento de renda das famílias com o Sistema Financeiro Nacional (SFN) terminou 2021 em 27,9%, ante 23,7% em 2020. Descontados os empréstimos imobiliários, o comprometimento da renda ficou em 25,6% no ano passado, ante 21,5% no ano anterior.