Um primeiro olhar para a medicina do Brasil nos dá a falsa impressão de que somos de primeiríssimo mundo. Temos hospitais de alto nível, muitos profissionais de excelência, somos referência em diversas especialidades e, inclusive, atraímos pacientes de diversos locais do planeta para se tratarem aqui.
Lamentavelmente, a medicina nada mais é do que um pequeno retrato de tudo que ocorre em larga escala em nosso país. De fato, há ilhas de excelência, mas, ao entorno delas, convivemos com o horror de tsunamis.
A recente divulgação dos resultados do exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo para averiguar a quantas anda a formação de nossos médicos nos dá um quadro bem real de quem somos. Dos 2.843 recém-formados que participaram do teste no segundo semestre de 2013, um total de 1.684 – ou 59,2% deles – não atingiu o critério mínimo definido pelo Cremesp. Ou seja, foram reprovados, pois acertaram menos de 60% do conteúdo da prova.
Este é um exemplo típico de distorção de nossas políticas sociais. Em uma área de relevância impar, a medicina, a opção é por quantidade e não por qualidade. Eis alguns dados, para que não fique dúvida: hoje, somos o segundo país do mundo em número de escolas médicas (214 para 200 milhões de habitantes), atrás apenas da Índia (272 para 1.210 bilhão de habitantes). Segundo o levantamento Demografia Médica no Brasil, divulgado pelo CFM em 2011, em número de profissionais de medicina, só a China, EUA, Índia e Rússia nos superam.
Para o ano de 2014, o governo sinaliza com a abertura de algo em torno de mais 50 faculdades médicas, espalhadas de norte a sul. Óbvio que isso não resolverá o problema da assistência ao cidadão. Afinal, pelo evidenciado no exame do Cremesp, estamos formando às baciadas, mas não podemos chamar grande parte desses graduados de médicos. Não por falhas deles, mas sim pela fragilidade do aparelho formador.
Veja a que ponto chegamos: na prova, 67% não souberam afirmar que o grau de redução da pressão arterial é o principal fator determinante na diminuição do risco cardiovascular em paciente hipertenso; 64% erraram o sintoma respiratório que define paciente com suspeita de tuberculose: tosse por tempo igual ou superior a três semanas; 71% não tinham noção de qual o desenvolvimento ideal para uma criança no primeiro ano de vida. Enfim, uma tragédia, se pensarmos, que essas pessoas estarão lidando com saúde, com vidas.
É hora de rever conceitos e tomar uma postura séria para tirar a medicina da UTI. O remédio é acirrar a fiscalização, para evitar que faculdades sem condição de bem formar continuem abrindo vestibulares. Não admitimos que continuem funcionando cursos sem instalações adequadas, com corpo docente inconsistente, e sem hospitais-escola para as aulas práticas. Isso não apenas leva à queda da qualidade e, consequentemente, da atenção em saúde. De fato, é risco à saúde e à vida dos cidadãos.
João Ladislau Rosa, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo