Parlamentares reagiram duramente à ameaça do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, de condicionar as eleições de 2022 ao voto impresso.
Como revelou o <b>Estadão</b>, o recado foi enviado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), no último dia 8, por meio de um emissário político do general. A hashtag #BragaNetto esteve entre os assuntos mais comentados no Twitter na manhã desta quarta-feira, 22.
"A conversa que eu soube é que o ministro da Defesa disse a um dirigente de partido: A quem interessar, diga que, se não tiver eleição auditável, não terá eleição . Teve um momento de muita tensão. Não foi brincadeira, não", descreveu um dos envolvidos no assunto, sob a condição de anonimato. Braga Netto negou que tenha enviado o recado. Ao chegar ao Ministério da Defesa, o general limitou-se a dizer que se trata de uma "invenção". O chefe das Forças Armadas não deu nenhuma informação complementar. O <b>Estadão</b> mantém todas as informações publicadas.
No mesmo dia em que o fato teria ocorrido, o próprio presidente Jair Bolsonaro repetiu publicamente a ameaça. "Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições", afirmou Bolsonaro a apoiadores, naquela data, na entrada do Palácio da Alvorada. Nas últimas semanas, o chefe do Executivo tem subido o tom das ameaças ao processo eleitoral e das alegações sobre fraude nas eleições.
Pelo Twitter, congressistas classificaram a declaração do general como "golpe" e cobraram que Braga Netto seja convocado a prestar explicações sobre o episódio no Congresso. Já existe um convite para que ele compareça à Câmara, aprovado após a nota divulgada pelo Ministério da Defesa e assinada pelos chefes das Forças Armadas a respeito das investigações da CPI da Covid, que mira suspeitas de corrupção na compra de vacinas com envolvimento de militares, como o próprio general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde. Como se trata de um convite, porém, Braga Netto não é obrigado a comparecer.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), destacou que é a Constituição Federal que determina sobre a realização de eleições, não as Forças Armadas. Ele disse ainda que a revelação é importante para que a sociedade e os Poderes possam reagir a "tamanha insensatez."
"Numa Democracia não são os militares que dizem se tem e como tem eleição. Quem faz é a CF. O presidente Arthur Lira já demarcou que está ao lado da Democracia e da Constituição. A publicidade do fato é importante pra sociedade e os Poderes reagirem a tamanha insensatez", comentou.
A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), chamou o ministro da Defesa de "ditador" e disse que ele precisa ir à Câmara prestar contas sobre essa "ameaça à democracia".
"O ministro da Defesa, gal de reserva Braga Netto, e o presidente da Câmara, tem de explicar essa ameaça à democracia. Grave essa militância política do comando das FFAA. Ao invés de defender o país, o ameaçam?! A Câmara tem de aprovar a convocação do general pretendente a ditador", escreveu no Twitter.
Para o líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), a fala atribuída ao general Braga Netto "é extremamente grave".
"Não cabe ao ministro da Defesa querer impor ao Parlamento o que deve aprovar, nem estabelecer condições para que as eleições aconteçam. O papel constitucional das Forças Armadas é garantir os poderes constitucionais, e não subordiná-los. Vou propor que a Câmara convoque o Ministro em Comissão Geral para esclarecer os fatos", afirmou por meio de nota.
Até mesmo ex-apoiadores do presidente Jair Bolsonaro reagiram contra Braga Netto. A deputada federal Professora Dayane Pimentel (PSL-BA) sugeriu que "o golpe de 2022 já está sendo ensaiado."
"Braga Neto manda recado para o Congresso: "Sem voto impresso, sem eleição!" Queria saber se já é o golpe de 2022 sendo ensaiado e se as FFAA, que tanto defendi, será palco para extremistas, bandidos, corruptos e milicianos se apresentarem(?). #ForaBolsonaro", escreveu a deputada na rede social.
Também ex-bolsonarista, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) disse que a população deve fazer "pressão" frente ao "golpe em andamento".
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), chamou a revelação de "gravíssima" e disse que o Ministério da Defesa precisa se manifestar imediatamente sobre o caso. "Muito importante que o Ministério da Defesa se manifeste imediatamente. Denúncia gravíssima. A democracia admite tudo, menos crimes que visam destruí-la", escreveu.
Para o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), Braga Netto "chantageia a democracia" e deve "se retratar publicamente ao País", escreveu.
O deputado federal Fábio Trad (PSD-MS) classificou o episódio como "ameaça de golpe" e defendeu "o imediato chamamento do ministro à Câmara dos Deputados para se explicar sobre os fatos". "Nossa Democracia não pode viver sob chantagem. A Constituição do Brasil resistirá!", disse.
A vereadora paulistana Erika Hilton (PSOL) sugeriu nas redes sociais que o ministro da Defesa deveria ser preso. "ABSURDO! Luz giratória de carros de polícia", comentou.
O deputado federal Denis Bezerra (PSB-CE) engrossou o coro de parlamentares que cobrou uma resposta do Congresso ao "discurso golpista e autoritário" de Braga Netto. "Lamentável em todos os sentidos, sobretudo vindo de alguém com carreira no Exército Brasileiro. Cabe ao Congresso Nacional responder à altura e dar um basta nessas chantagens", afirmou.
O líder do PT na Câmara, deputado Bohn Gass (RS), foi na mesma linha e sugeriu ainda que o general "se recolha a seus deveres constitucionais, explique o nepotismo dos militares e a corrupção do governo". "Vamos convocá-lo.Terá de dar explicações ao Congresso. Sua fala atenta contra a democracia", afirmou.
O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) afirmou que vai propor "uma interpelação formal do ministro da Defesa" na Câmara. "Caso se confirme que ele articulou essa ameaça, deve ser responsabilizado com todo rigor. Que os golpistas sejam duramente enquadrados!", pregou.
O senador Humberto Costa (PT-PE) chamou a situação de "escandalosa" e também defendeu a convocação do general. "É absolutamente escandalosa a informação de ameaça de golpe feita pelo ministro da Defesa. Se confirmada, enseja crime contra o Estado de Direito. Convocaremos Braga Netto para que repita, diante do Congresso, a agressão à democracia que teria dirigido ao presidente da Câmara", escreveu.
Na avaliação do senador Rogério Carvalho (PT-SE) o episódio protagonizado pelo general Braga Netto "expõe" as Forças Armadas. "A tirania cruel exercida à sombra da lei precisa ser combatida. O tempo dirá o quanto o nosso sistema democrático está maduro e capaz de responder a rompantes autoritários", disse pelo Twitter.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) disse que são "inaceitáveis as ameaças explicitamente golpistas de Braga Netto e da cúpula militar". E seguiu: "Assim como Jair Bolsonaro, pisoteiam o juramento de proteger e cumprir a Constituição. Sábado, dia 24, todos às ruas para pôr fim a esse governo golpista que odeia o Brasil e os brasileiros".
Em uma sequência de dois tuítes, o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ) disse que o ministro da Defesa "age como menino de recado de um delinquente golpista" e que "os atos de Braga Netto são ilegais e rebaixam institucionalmente as FFAA."
<b> Sermões populistas </b>
Durante discurso de abertura no II Encontro Internacional Democracia na Pós-Pandemia, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin não citou nominalmente o ministro da Defesa, mas disse que bastava ler os jornais de hoje para notar que populistas "buscam naturalizar um eventual descarte da consulta popular o que na prática significa restaurar um regime de exceção."
A fala do ministro foi centrada na defesa do processo eleitoral e no "encalço populista diante de uma desordem informativa e de ameaças, por ora, verbais à democracia". Segundo ele, neste sentido, é "fundamental a defesa da engenharia eletiva contra a franca nocividade de sermões populistas que embalam ameaças verbas à democracia", afirmou.
Como mostrou o <b>Estadão</b>, um ministro do Supremo a par do episódio avaliou que o comando militar procurou repetir agora o episódio protagonizado pelo então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, que, em post com 239 caracteres publicado no Twitter no dia 3 de abril de 2018, tentou constranger a Corte para que não fosse concedido um habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.