Estadão

Parlamento da Geórgia aprova em última instância lei sobre influência estrangeira

O Parlamento da Geórgia aprovou nesta terça-feira, 14, em votação final, o polêmico projeto de lei sobre "influência estrangeira", acusado de ser uma versão de uma legislação usada pela Rússia para reprimir a oposição e que motivou uma série de protestos no país do Cáucaso. A aprovação aconteceu em uma sessão tensa no Legislativo, marcada por xingamentos e troca de agressões físicas entre os deputados, que terminou com o placar de 84 votos a favor e 30 contra.

A presidente do país, Salome Zourabichvili, prometeu vetar o projeto, mas o partido do primeiro-ministro Irakli Kobakhidze, o Sonho Georgiano, no poder desde 2012, tem votos suficientes para anular o seu veto.

O projeto de lei exigiria que organizações não governamentais e meios de comunicação que recebam mais de 20% de seu financiamento de fontes estrangeiras se registrem como "organizações que carregam os interesses de um poder estrangeiro" e forneçam demonstrativos financeiros anuais sobre suas atividades. O Ministério da Justiça da Geórgia teria amplos poderes para monitorar a conformidade. Violações resultariam em multas equivalentes a mais de $9.300 dólares. A lei é semelhante a outro projeto que o partido governista abandonou após protestos, em 2023.

Oficiais do governo e parlamentares do partido governante disseram que o projeto de lei fortaleceria a soberania do país ao tornar as organizações não governamentais, que ocupam um papel central na vida política polarizada da Geórgia, mais transparentes para o público. Mas a oposição, pró-Ocidente, denunciou a lei como um esforço governamental para converter a Geórgia em um país pró-Rússia.

<b>Protestos</b>

Ao longo do último mês, milhares de pessoas protestaram contra o projeto de lei em Tbilisi e outras cidades da Geórgia. À medida que os grupos aumentavam, a polícia usou táticas de choque para dispersá-los, como gás lacrimogêneo, spray de pimenta e repressão a socos contra os manifestantes quando alguns deles cercaram o Parlamento.

Um dos manifestantes espancados em confrontos foi Ted Jonas, um advogado georgiano-americano que vive no país desde o início dos anos 1990. "Eles me arrastaram cerca de 30 metros na calçada, batendo e me chutando o caminho todo," disse Jonas, em uma publicação no Facebook. "Eu fiquei com o nariz sangrando, hematomas dos chutes ou socos na minha cabeça, mandíbula, órbita do olho direito e um pouco no esquerdo."

Os protestos continuaram na terceira aprovação da leitura da lei, após um final de semana de confrontos de manifestantes contra a polícia. Na terça-feira, milhares foram até o prédio do Parlamento na Avenida Rustaveli, a principal de Tbilisi. Após os parlamentares passarem a lei, alguns manifestantes tentaram invadir o pátio do prédio, mas foram rapidamente afastados por oficiais de polícia mascarados. A polícia disse em um comunicado que 13 manifestantes foram presos na terça-feira.

Os manifestantes rotularam o projeto de lei de "lei russa", argumentando que é semelhante a uma medida semelhante na Rússia. Aprovada em 2012, a lei de "agentes estrangeiros" na Rússia também foi divulgada pelo governo russo como uma medida de transparência, mas rapidamente se desenvolveu em uma ferramenta utilizada para sufocar e estigmatizar grupos anti-Kremlin e organizações midiáticas.

"Temos tantas ONGs pró-Ocidentais e eles são contra o Ocidente, são pró-Rússia," disse Luna Iakobadze, de 26 anos, referindo-se ao governo. Outros manifestantes disseram que Moscou era o centro natural de gravidade para o Sonho Georgiano, que governou a Geórgia por quase 12 anos e pretende fortalecer seu controle sobre a política do país nas próximas eleições em outubro.

"Essa é a única maneira deles permanecerem no poder, estar com a Rússia," disse Ilia Burduli, advogado de 39 anos, em um dos comícios. "Essa é a única maneira de estar no comando para sempre".

<b>Repercussões internas</b>

O governo da Geórgia tem negado acusações de que o projeto de lei seja alinhado com Moscou. Representantes governamentais insistiram que estavam comprometidos em seguir a aspiração da população de se juntar à União Europeia.

Mas em um discurso recente, Bidzina Ivanishvili, oligarca que fez fortuna na Rússia antes de retornar à Geórgia no início dos anos 2000 e fundador do partido Sonho Georgiano, apresentou o Ocidente como inimigo. Em discurso num comício pró-governo no final de abril, o político disse que a Otan e a União Europeia eram controladas por um "partido de guerra global" que vê "a Geórgia e a Ucrânia como bucha de canhão".

"Eles primeiro colocaram a Geórgia em confronto com a Rússia em 2008," disse Ivanishvili, referindo-se a guerra entre Moscou e o governo em Tbilisi. "Em 2014 e 2022 colocaram a Ucrânia em uma situação ainda mais difícil". Ele acusou as elites ocidentais de tentarem fomentar uma revolução contra seu partido porque se recusou a se opor à Rússia após a invasão da Ucrânia.

Irakli Kobakhidze, recém nomeado primeiro-ministro da Geórgia, retratou os ativistas que se opõem ao projeto de lei como pessoas arrogantes e sem noção que foram manipuladas para acreditar que o projeto de lei estava ligado à Rússia. "Uma pessoa autoconfiante sem conhecimento e inteligência é pior que um tanque russo," disse Kobakhidze na sexta-feira, em publicação no Facebook.

Alguns comentaristas ecoaram o raciocínio do governo, dizendo que o setor de ONGs financiadas pelo Ocidente tem um impacto desproporcional na vida política do país, apesar de não serem eleitos democraticamente. Mas tais comentaristas também disseram que a nova lei não resolveria o problema.

<b>Repercussão internacional</b>

Na terça-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, pareceu apoiar o esforço do governo georgiano para adotar o projeto de lei. Falando com a imprensa, ele disse que constituía "o firme desejo da liderança georgiana de proteger seu país contra interferências evidentes em seus assuntos internos," de acordo com a TASS, agência de notícias estatal na Rússia.

Representantes da União Europeia e dos EUA criticaram a legislação, dizendo que ela traz novamente questões sobre o histórico democrático da Geórgia. No sábado, 11, Jake Sullivan, Assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, disse que o governo americano estava "profundamente alarmado com o retrocesso democrático na Geórgia." Em uma postagem nas redes sociais, Sullivan disse que os parlamentares georgianos enfrentavam "uma escolha crítica – se apoiam as aspirações Euroatlânticas do povo georgiano ou passam a lei de agentes estrangeiros à moda do Kremlin."

Nos últimos anos, o Ocidente tem andado em corda bamba na Geórgia: por um lado, tentou incentivar as aspirações pró-Ocidente populares do povo georgiano, por outro, tentou não alienar o partido governista e empurrá-lo em direção ao Kremlin. Em dezembro, a União Europeia concedeu à Geórgia o status de candidato, uma medida amplamente vista como um esforço para impedir que o país entre na esfera de influência russa.

Mas o equilíbrio se tornou ainda mais difícil desde a invasão russa da Ucrânia, que levou muitos dos ex-países soviéticos a escolher um lado. A invasão também apresentou à Geórgia e alguns outros países uma oportunidade lucrativa de ajudar a conduzir o comércio entre a Rússia e o Ocidente, que se tornou restrito devido a sanções e outras medidas.

"O Sonho Georgiano acha que o foco de atenção do Ocidente está em outro lugar, seu foco na Geórgia enfraqueceu, então o preço que teriam que pagar por adotar esta lei pode não ser tão alto," disse Mikheil Kechaqmadze, um analista da política georgiana. "Eles não querem fazer a integração europeia," disse Kechaqmadze em uma entrevista. "Ao introduzir a lei, eles querem subverter isso". (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

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