A primeira-ministra britânica, Theresa May, sofreu na terça-feira, 15, a pior derrota na história de um governo britânico no Parlamento. O acordo que ela negociou com a União Europeia nos últimos dois anos foi rejeitado por 432 votos a 202. Em seguida, o líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn, protocolou uma moção de não confiança, que será votada na quarta-feira, 16. Se aprovada, May será obrigada a antecipar as eleições.
A votação de ontem confirmou a impressão de que o governo britânico está em um beco sem saída. O Parlamento parece dividido em três correntes, nenhuma majoritária. Cerca de um terço dos deputados do partido de May, o Conservador, apoia o acordo que ela fechou com a UE. Contra a premiê está a oposição, que defende um novo referendo do Brexit, e uma facção no próprio partido de May, que quer deixar a UE sem nenhum acordo.
Essa fragmentação é o que pode salvar o cargo da premiê na votação de hoje. Isso porque os membros rebeldes de seu partido, apesar de terem votado ontem contra May, preferem evitar novas eleições e o risco de dar o poder à oposição, o que abriria caminho para um novo referendo sobre o Brexit.
O que acontece agora nem o governo britânico sabe. Os termos para a saída de um membro da UE foram definidos pelo Artigo 50 do Tratado de Lisboa, em vigor desde 2009. O bloco europeu, no entanto, foi criado para integrar o continente e absorver membros. A possibilidade de alguém se retirar da UE, embora tenha sido incluída no texto, nunca foi levada muito a sério.
Por isso mesmo a confusão começa com um brutal erro de cálculo do então premiê David Cameron. Em 2013, ele tentava evitar a debandada de deputados conservadores para o Ukip, um partido nacionalista que crescia graças ao discurso anti-UE.
Cameron fez uma concessão e convocou o referendo, apostando que os britânicos jamais apoiariam o Brexit. O premiê, porém, subestimou a insatisfação da maioria e os primeiros passos da guinada à direita que tomaria de assalto vários países do mundo.
Em junho de 2016, os britânicos aprovaram a saída da UE e encerraram a carreira política de Cameron. Após sua renúncia, o cargo caiu no colo de sua secretária do Interior, Theresa May, que prometeu levar adiante a decisão popular. Nos últimos dois anos, ela negociou com os europeus os termos do divório.
De cara, o maior desafio de May era fazer com que o Reino Unido mantivesse acesso ao mercado comum europeu, o que manteria Londres como capital financeira da Europa. A manobra, porém, já nasceu derrotada. A UE pedia em troca que May aceitasse a livre circulação de cidadãos, o que batia de frente com uma das bandeiras dos nacionalistas britânicos: a restrição aos estrangeiros no país.
Aos poucos, estimativas de agências do governo, do Banco da Inglaterra, do FMI e de empresas de consultoria desenhavam um futuro cada vez mais sombrio para a economia britânica após o Brexit. Bancos, seguradoras e fundos de investimentos anunciaram mudança para Paris, Frankfurt ou Dublin, em busca de manter acesso ao mercado de 430 milhões de pessoas.
Em julho, o London School of Economics alertou para o risco de escassez de alimentos. Em novembro, analistas do governo estimaram que a saída da UE poderia causar uma crise pior do que a de 2008 e indicaram que o PIB do país será 3,9% menor, em 2034, em relação ao que seria se não houvesse Brexit. Na semana passada, um relatório da consultoria Ernst & Young revelou que bancos e firmas de investimento já tinham movido US$ 1 trilhão do Reino Unido para a Europa.
Na terça-feira, mesmo derrotada, May parecia impassível. “Está claro que o Parlamento não apoia este acordo, mas a votação (de ontem) não nos diz nada sobre o que ele apoia”, disse. Se sobreviver à votação de hoje, ela terá até segunda-feira para apresentar um plano alternativo, que pode ser emendado ao gosto dos deputados.
“Foi uma derrota catastrófica para o governo”, definiu Corbyn, o líder da oposição. Em Bruxelas, que nunca escondeu o desejo de que os britânicos fiquem no bloco, as reações foram otimistas. “Se um acordo for impossível, e ninguém quiser acordo nenhum, então quem finalmente terá a coragem de dizer qual é a única solução possível?”, disse o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.