Estadão

Parte da população preferiu saltar no vazio a ficar na inércia, diz diretor da Idea

A vitória arrasadora de Javier Milei sobre Sergio Massa colocou em xeque as bases da política tradicional na Argentina. No entanto, para o especialista argentino em direito internacional Daniel Zovatto, diretor para América Latina e Caribe do Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (Idea), sua eleição mostra que parte da população decidiu se arriscar.

<b>Como podemos interpretar o sucesso de Milei?</b>

Com a vitória, se cumprem na Argentina as três tendências principais que temos observado nos processos eleitorais do continente. A primeira é a do voto de castigo a quem está no poder. Em 17 das 18 eleições no continente desde 2019, sempre perderam os partidos que estavam no poder, independentemente da sua ideologia. Isto se deu apenas com uma exceção, que foi a do Paraguai, onde venceu o partido do governo. Essa mudança vertiginosa de regime vem quase sempre acompanhada de uma onda de descontento generalizado da população – no caso da Argentina, o descontentamento é motivado, principalmente, pela profunda crise econômica. Os processos de alternância de regime têm afetado governos de esquerda e de direita de forma similar.

<b>Quais são as outras duas tendências? </b>

A segunda é que, como em outros países, a eleição não teve definição no primeiro turno. Doze países latino-americanos aplicaram segundo turno. Nas últimas dez eleições, sete tiveram uma virada política, com a vitória da oposição. A terceira e última tendência é a da poluição nas mensagens da campanha. Esse é o caso da chamada "campanha do medo", que, apesar de não ter funcionado na Argentina, pois Milei foi eleito, tinha no seu cerne uma estratégia desestabilizadora com a propagação de imagens negativas um do outro, limitando o diálogo político construtivo.

<b>Que significa para a Argentina a eleição de Milei?</b>

Diante de uma sociedade que está enfrentando uma situação de muita desesperança, muita raiva, um grande setor da população preferiu saltar no vazio a ficar na inércia. Na falta de soluções para seus problemas, que se agravaram nos últimos anos, coincidindo com o governo representado por Massa, os argentinos atreveram-se a tomar uma decisão radical. Com a eleição de Milei, a Argentina entra em terras desconhecidas.

Até agora, a Argentina sempre alternou entre conservadores e peronistas, entre peronistas e radicais (corrente política tradicional de centro-direita). Mas agora estamos entrando em uma situação que marca uma redefinição do sistema político como um todo. E ainda estamos por ver como as alianças serão recompostas.

Estamos entrando em um nível de incerteza política e de governança na qual não é fácil prever o que Milei poderia fazer para governar sob a pesada herança deixada pelo governo anterior, com pouco apoio e nenhuma experiência na gestão política do Estado. Por outro lado, temos de levar em conta o fato de termos na região uma grande volatilidade política e eleitoral. A alternância permanente de governos é um fato na Argentina, e o país é o único no continente, com exceção do México, que tem uma eleição de meio período de mandato. Se Milei não fizer um bom trabalho, o voto de castigo vai ser brutal.

<b>Qual é o impacto dessa eleição sobre o estado da democracia na Argentina?</b>

Para a democracia argentina, é um voto a favor no importante contexto dos 40 anos de democracia. Foi uma eleição limpa e democrática, e ambos os candidatos reconheceram que foi transparente. Mas o maior desafio estará no diálogo. A agravada crise econômica exige reformas com repercussão social significativa, que apenas serão possíveis por meio da negociação e conciliação. A experiência argentina indica que só é possível governar realizando acordos parlamentares, então o novo presidente pode encontrar rapidamente limites para as propostas de campanha.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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