No mês de fevereiro o Congresso Nacional deverá continuar as discussões sobre a reforma da Previdência proposta pela equipe econômica do presidente Michel Temer. Entre todas as polêmicas, desde o anúncio da proposta de alteração do sistema previdenciário brasileiro, a exclusão dos integrantes das Forças Armadas é uma questão que deverá ser colocada em estudo pelos parlamentares. O secretário Marcelo Caetano, do Ministério da Fazenda, afirmou que a mudança no regime previdenciário dos militares será realizada posteriormente, por meio de um projeto de lei específico que contemple as especificidades da carreira.
Os especialistas em Direito Previdenciário acreditam que, apesar da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/16 para os trabalhadores privados, rurais e servidores públicos precisar de ajustes, a decisão de não incluir os militares neste primeiro momento foi correta, pois a carreira tem particularidades que são incompatíveis com os regimes englobados na reforma.
A advogada especialista em Direito Militar, Maria Regina de Sousa Januário, da Advocacia Januário, explica que a principal característica é que, ao contrário do que ocorre com o trabalhador civil, o militar não se aposenta. “Ao completar 30 anos de efetivo serviço militar, ele é transferido para a reserva remunerada podendo ser, inclusive, novamente convocado para o trabalho”, afirma.
De acordo com a advogada, os militares das Forças Armadas “não têm previdência, pois, são custeados pelo Tesouro Nacional. E os militares, mesmo na reserva, contribuem para a pensão militar que é destinada aos seus dependentes legais”.
Os militares das Forças Armadas, constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, têm Regime Próprio de Previdência Social, previsto no artigo 142, § 3º, inciso X, da Constituição Federal.
O professor e doutor em Direito pela USP Gustavo Filipe Barbosa Garcia informa que os militares das Forças Armadas na inatividade englobam os da reserva remunerada e os reformados. “Os da reserva remunerada, quando pertençam à reserva das Forças Armadas e percebam remuneração da União, estão sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação ou mobilização”, orienta.
Já os reformados, segundo o professor, são aqueles que estão dispensados definitivamente da prestação de serviço na ativa, mas continuem a perceber remuneração da União. “Quanto aos militares dos Estados e do Distrito Federal, ou seja, no caso dos membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, cabe a cada lei estadual específica dispor sobre os respectivos Regimes Próprios de Previdência Social”, afirma.
Pensão
O professor e autor de obras de Direito Previdenciário Wladimir Novaes Martinez ressalta que a Lei nº 3.765/60 é a norma orgânica da pensão dos militares. “Ao longo dos 56 anos de sua edição a lei sofreu poucas alterações. Os militares – homens e mulheres – aos 30 anos de serviço são reformados, isto é, de certa forma mantêm vínculo jurídico e fático com as Forças Armadas”.
De acordo com estudos do Ministério da Defesa, o militar contribui em média 62 anos para a pensão militar. Pelas regras atuais, os militares têm uma contribuição mensal de 7,5% de suas remunerações. Este valor não é utilizado para custear uma aposentadoria, mas as pensões as quais os familiares têm direito em caso de morte.
A especialista em Direito Militar explica que no caso de falecimento do militar existe uma ordem de concessão da pensão militar prevista na Lei nº 3.765/60. “Primeiramente, este direito se transmite ao cônjuge, e seguindo esta ordem temos o companheiro ou companheira designada ou que comprove união estável como entidade familiar; pessoa desquitada, separada judicialmente, divorciada do instituidor ou a ex-convivente, desde que percebam pensão alimentícia. Na sequência desta linha estão os filhos ou enteados até 21 anos de idade ou até 24 anos de idade, se estudantes universitários ou, se inválidos, enquanto durar a inv alidez; e menor sob guarda ou tutela até 21 anos de idade ou, se estudante universitário, até 24 anos de idade ou, se inválido, enquanto durar a invalidez”.
Reforma
Na visão do advogado João Badari, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, uma possível reforma na previdência prejudicaria os militares. “Acredito que os militares serão prejudicados com uma reforma em sua previdência. Entretanto, seguindo a linha de pensamento do Governo Federal na reforma para os trabalhadores urbanos, rurais e funcionários públicos, a principal mudança a ser realizada seria na criação da idade mínima para ir a reserva. Além disso, deveria ser estabelecida nova regra sobre cumulação de benefícios, pois o principal argument o do governo em relação aos benefícios dos militares está no aumento da expectativa de vida e as pensões pagas”, aponta.
Badari reforça, porém, que “o governo deve respeitar as peculiaridades de suas funções, pois os militares além do risco de morte não possuem diversos direitos trabalhistas”.
Segundo Maria Regina Januário, a profissão militar tem características próprias com relação aos direitos trabalhistas, como por exemplo:
– os militares não fazem jus a remuneração do trabalho noturno superior ao do trabalho diurno;
– estão disponíveis 24 horas por dia – dedicação exclusiva -, isto é, trabalham muito mais que a média dos trabalhadores da iniciativa privada e servidores civis;
– não têm direito a repouso semanal remunerado;
– não têm direito ao adicional de periculosidade e hora extra;
– os militares não recolhem o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS);
– os militares não podem participar de atividades políticas e;
– os militares não podem se sindicalizar.
A especialista revela que, em razão desse regime de dedicação exclusiva, de acordo com estudos realizados pelo Ministério da Defesa, os 30 anos de efetivo serviço militar que é a condição necessária para o militar ser transferido para a reserva remunerada, correspondem na verdade a 44 anos de serviço. “Assim, os militares trabalham muito mais que os trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos civis”.
A advogada também ressalta que os militares estão sujeitos a uma grande mobilidade geográfica, as chamadas transferências por necessidade do serviço. “Essa característica impõe sacrifícios não só ao militar, mas para toda a família, já que a mudança constante de cidade dificulta a construção de um patrimônio para a família, prejudica a educação dos filhos e impõe restrições ao cônjuge para que exerça atividade remunerada”, diz.
“Em razão dessas particularidades é que não se deve impor aos militares das Forças Armadas a mesma regra seguida pelos trabalhadores da iniciativa privada. E qualquer mudança que se pensa em fazer deve ser precedida de um estudo aprofundado para não impor ainda mais sacrifícios aos militares, que atualmente são muito mal remunerados, percebendo soldos bem inferiores aos das Polícias Militares de alguns estados, como por exemplo, da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais e do Distrito Federal”, pontua Maria Regina Januário.
A questão da proteção social dos militares brasileiros não tem sido bem compreendida pela população, segundo Fábio Zambitte Ibrahim, coordenador do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). “O militar, tendo em vista o encargo de defender o território nacional e seu povo, seja em tempos de guerra ou paz, exige, para seu fiel cumprimento, parâmetros rigorosos de integridade física e mental. Como é a praxe no mundo, os militares, até pelo elevado desgaste de suas atividades ao longo de suas vidas profissionais, sem qualquer limitação de jornada e outras salvaguardas dos trabalhadores civis, acabam por usufruir de uma inatividade remunerada particular”.
Dados
Em outubro de 2016, um militar da reserva recebia em média R$ 9.522,00 anuais, enquanto os pensionistas, R$ 8.116,00, de acordo com dados do Ministério do Planejamento. Um militar da ativa, por sua vez, recebia em média anual de R$ 4.264,00. A diferença é explicada pelo fato de o contingente em atividade ser maior e incluir patentes mais baixas. Para efeitos de comparação, o benefício médio pago hoje para os aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é de R$ 1.862,00.
Segundo o ministro da Defesa, Raul Jungmann, um projeto de lei complementar com mudanças nas regras previdenciárias para os militares já está em discussão e deve ser enviado à Casa Civil entre janeiro e fevereiro de 2017. Ainda de acordo com o ministro, todas as regras poderiam ser negociadas, inclusive um aumento da contribuição e do tempo de serviço.
De acordo com o ministro da Defesa, o INSS arca somente com as pensões pagas a dependentes dos militares. Para o ministro, o déficit real é de R$ 13,85 bilhões. Já os salários dos inativos e reservistas, de acordo com Jungmann, são pagos pelo próprio Ministério da Defesa.
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