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Pastore: ‘Os países crescem com instituições inclusivas’

Quando completou 80 anos, Affonso Celso Pastore teve o impulso de escrever um livro para reunir as notas acumuladas ao longo de mais de 50 anos como professor, integrante de governo, consultor e analista da cena política e econômica do País. Dois anos depois, o ex-presidente do Banco Central lança nesta semana o livro Erros do passado, soluções para o futuro: a herança das políticas econômicas do século XX. Publicado pela Portfolio-Penguin, da Editora Schwarcz, com prefácio do economista Marcos Lisboa, faz uma incursão pela história para saber o que levou o Brasil a entrar numa fase de estagnação a partir dos anos 80. Veja os principais trechos da entrevista.

<b>Qual foi a motivação para escrever sobre os erros das políticas econômicas?</b>
Desde o final da 2.ª Guerra até os anos 80, o Brasil teve taxas de crescimento muito fortes, 7,5% ao ano em média. O Brasil deixou de ser eminentemente agrícola, se urbanizou. Tinha uma renda per capita superior à da China, da Coréia, e vinha se aproximando da dos EUA. A partir dos anos 80, entramos numa fase de estagnação. A motivação (para o livro) é simples: saber onde nós erramos e o que deveríamos corrigir daqui para frente.

<b>Por que o Brasil foi pego nessa armadilha do lento crescimento?</b>
Não tem uma causa única. A teoria do desenvolvimento econômico vem evoluindo ao longo do tempo e, nos anos recentes, alguns economistas brilhantes, como Daron Acemoglu, que está no MIT, começaram a olhar as razões pelas quais há países que crescem e outros que não crescem. Ele diz o seguinte: crescem os países cujas instituições econômicas e políticas permitem o crescimento. Quando elas são inclusivas e não são instituições extrativistas, os países crescem. Parte das instituições são as estacas do processo democrático, como é o Judiciário, o Executivo e o Legislativo, que tem checks and balances (pesos e contrapesos), e são independentes entre si. E parte das instituições são as leis, as regras do jogo.

<b>Como elas influenciam?</b>
Há países que conseguem montar essas regras de tal forma a canalizar o esforço da sociedade para o crescimento. Mas há outros países que se perdem no meio do caminho, e acabam gerando políticas econômicas que respondem a interesses de grupos, interesses privados, que não produzem o crescimento do País. Não há dúvida nenhuma de que uma boa parte da deterioração das nossas instituições foi de caráter político. Hoje, temos vários desenhos no sistema político, talvez maiores do que existiam no passado, que em grande parte são responsáveis pela incapacidade que temos de crescer.

<b>O livro começa com um capítulo sobre a agricultura brasileira. Por que o setor é um dos mais produtivos no mundo e a nossa indústria não é?</b>
O que fez a grande diferença é que tivemos inovações tecnológicas e uma tradição de fazer pesquisas.. Conseguimos fazer isso na agricultura e nunca perdemos.

<b>Mas o País não resolveu o problema da fome, que aumentou na pandemia. O que deu errado?</b>
O Brasil não resolveu o problema da fome porque não resolvemos o problema da distribuição de renda. É claro que tivemos certas tentativas de favorecer os excluídos. O Bolsa Família foi isso. Mas existe uma população que está num nível de pobreza absoluta que não está tendo oportunidade de crescer e melhorar a sua perspectiva. Isso é culpa das políticas públicas.

<b>O sr. analisa o episódio da crise da dívida externa, momento histórico no qual participou. O livro traz uma revisão?</b>
Existe uma frase do George Orwell que diz que a história é sempre contada pelos vencedores. Felizmente, os vencedores daquele período foram os caras que estavam a favor das eleições livres. Aí, eu aplaudo. Mas eles contaram a história sobre a crise da dívida que era politicamente interessante naquele momento. O que mostro é que não havia fórmula de fazer a negociação a não ser como ela foi feita. Em 1980, a dívida externa em dólares estava em 60% do PIB. Quando eu entrei no BC, em 1983, o nível de reserva de caixa do Brasil estava em menos de US$ 2 bilhões. Não tinha reservas. Teve de ser publicada uma resolução no BC que centralizava o câmbio.

<b>Essa parada brusca produziu uma recessão profunda?</b>
Sou presidente do comitê de datação de ciclos econômicos da FGV. Datamos o início daquele ciclo no começo da crise da dívida. Foi a maior queda da renda per capita que aconteceu, uma redução de 12%. Uma recessão extremamente longa. Tudo parou. Se tem um sujeito que parou de respirar, você vai fazer respiração artificial, massagem cardíaca, vai botar oxigênio. Não adianta dar remédio para dor de cabeça. No caso da dívida, a prioridade era renegociar e obter dinheiro novo para ter recursos para fazer a economia voltar a funcionar. Tinha de navegar nesse ambiente hostil com extrema cautela. Uma das condições era produzir receitas de divisas, tinha de produzir uma forte depreciação do câmbio real. Só a economia estava indexada e não tinha âncora porque o BC não tinha capacidade de operar a taxa de juros. Quem operava isso era o Conselho Monetário. Eu mostro que isso gerava uma inflação totalmente descontrolada, que só foi dominada muito lá na frente com o Plano Real.

<b>O livro fala do eterno problema fiscal brasileiro que ainda não está resolvido.</b>
O Brasil tem um problema que vem desde a Constituição de 1988, que criou uma série de direitos com despesas públicas e que, até termos o teto de gastos, cresciam a 6% em termos reais ao ano. Acontece que não tem crescimento de PIB de 6% no Brasil. O nosso crescimento potencial é 2%. Se a despesa cresce a 6% e a receita, a 2%, a dívida pública não vai parar de crescer e fica insustentável. Esse problema foi jogado para frente durante o governo Fernando Henrique porque ele gerou um aumento de imposto contínuo que fez com que a receita crescesse junto com o aumento da despesa. Só que aumento de carga tem custo econômico, retarda o crescimento e gera um custo de bem-estar para a população.

<b>No final do capítulo, o sr. analisa o impacto político sobre as contas públicas. Como é isso?</b>
Com o fracionamento partidário que o Brasil teve nos últimos anos, é praticamente impossível ter um presidencialismo de coalizão que permita atacar os problemas fundamentais do Brasil. Fica preso a uma luta de partidos, que são muito heterogêneos.

<b>O impasse que o País vive para abrir espaço no Orçamento para um programa social mais robusto é decorrente desse problema político?</b>
Essa é uma das dimensões do problema que estou falando. Em primeiro lugar, temos um governo muito fraco. Ele não tem um programa consistente e é fraco no apoio político. E temos um Congresso que depende do Centrão, que não é um grande partido de centro, mas um grande conglomerado de partidos fisiológicos que, no fundo, estão olhando uma forma de minimizar danos aos seus grupos eleitorais. Essa combinação é extremamente negativa do ponto de vista da eficácia da política econômica.

<b>Qual o maior erro agora?</b>
O Brasil está em frangalhos porque o Bolsonaro está em campanha eleitoral 100% do tempo. Esse governo deveria começar a governar, o que acho que não começou até agora. Está em campanha.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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