Após três dias de julgamento, dois pastores evangélicos, acusados de matar e queimar o corpo de um adolescente de 14 anos, em 2001, em Salvador, na Bahia, foram condenados a 21 anos de prisão em regime fechado. A sentença do tribunal do júri foi lida às 21h30 desta quinta-feira, 27, pela juíza Andrea Teixeira Lima Sarmento. A defesa dos acusados vai entrar com recurso. Um terceiro pastor envolvido havia sido condenado anteriormente a 18 anos de prisão e já cumpriu a pena.
Na época, o crime chocou a população e causou grande repercussão por envolver religiosos importantes da Igreja Universal do Reino de Deus. O adolescente Lucas Terra frequentava a igreja onde eles presidiam os cultos. Conforme a investigação, o adolescente foi morto após flagrar dois dos pastores mantendo relações sexuais dentro do templo, no bairro Rio Vermelho, na capital baiana. Ele foi dominado, agredido, estuprado e teve o corpo queimado quando ainda estava vivo.
Os pastores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda foram condenados, cada um, a uma pena principal de 18 anos de prisão em regime fechado, mas tiveram as penas agravadas pelo motivo torpe, emprego de meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima, elevando as penalidades para 21 anos. Segundo o Ministério Público da Bahia, eles podem recorrer em liberdade. O terceiro pastor acusado, Silvio Roberto Galiza, foi julgado e condenado em 2004 a 18 anos de prisão, cumpriu cerca de 7 anos preso, foi para o regime aberto e está em liberdade.
Foi Galiza quem apontou os outros dois autores do crime, levando a que fossem denunciados pelo Ministério Público da Bahia. Durante o julgamento, os advogados dos dois réus buscaram demonstrar que os religiosos tinham uma rotina de cuidados com os fiéis e se dedicavam à igreja. Nesta quinta-feira, os pastores foram ouvidos durante cinco horas, negando participação no assassinato. As esposas deles também foram ouvidas como testemunhas de defesa. Um bispo da Igreja Universal também prestou depoimento.
Nove testemunhas de acusação reforçaram o conjunto de provas para que o MP pedisse a condenação dos réus. A mãe do adolescente, Marion Terra, também foi ouvida e se emocionou durante o julgamento. Marion acompanhou a sessão do júri ao lado dos dois filhos, irmãos da vítima, e de outros familiares. O pai do adolescente, Carlos Terra, morreu em 2019, após uma parada cardiorrespiratória, sem ver a justiça sendo feita para o caso de Lucas.
Após a leitura da sentença, Marion fez um desabafo público, registrado em redes sociais. "Hoje (27) foi o dia da minha vitória. Eu quero agradecer a todos da imprensa que, incansavelmente, nunca se calaram, nunca foram omissos, sempre foram a nossa voz. Essa vitória não é só minha, não é só do Carlos, não é só do Lucas, essa vitória é de todas as mães da Bahia. De todas as famílias que, muitas vezes, perdem os filhos e se deparam com poderosos economicamente, e levam 22 anos, como nós levamos, e às vezes nem têm direito à justiça", disse.
O promotor Davi Gallo, que atuou na acusação dos réus, considerou a pena adequada à gravidade do crime. "O conjunto de provas é robusto, mas acredito que a defesa vai exercer seu direito de recurso. Pela tendência das provas e pelo que foi apresentado no plenário de julgamento, com certeza essa sentença será mantida", disse. Ele lembrou que a juíza reconheceu a prescrição do crime de ocultação de cadáver, "o que denota o senso de justiça".
O escritório Nestor Távora Advogados Associados, que atuou na defesa de Fernando e Joel, foi procurado pela reportagem e não havia dado retorno até a publicação desta matéria. Ao final do julgamento, Nestor Távora, um dos defensores, disse em entrevista que o processo será levado à apreciação do Tribunal de Justiça, através de recurso.
A reportagem entrou em contato com a Igreja Universal do Reino de Deus, através da assessoria de imprensa, e aguarda retorno.
<b>O crime</b>
O adolescente Lucas frequentava o templo da Igreja Universal do Reino de Deus no bairro Rio Vermelho, em Salvador. Seu corpo foi encontrado carbonizado em um terreno baldio. A perícia apontou que ele foi queimado vivo no interior de uma caixa de madeira. O principal suspeito na época, o pastor Silvio Galiza, tinha sido afastado da igreja por ter sido flagrado dormindo ao lado de adolescentes que frequentavam o templo. Antes de desaparecer, o menor ligou para o pai e disse que estava com o pastor. Em 2006, dois anos após ser condenado pelo homicídio, Galiza delatou os outros dois pastores.
Eles foram denunciados pelo Ministério Público baiano. Em 2008, o pastor Fernando chegou a ser preso, mas foi libertado e passou a responder ao processo em liberdade. Em novembro de 2013, a justiça inocentou os dois. A família de Lucas entrou com recurso e, em setembro de 2015, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), por unanimidade, decidiu que eles fossem a júri. A defesa dos pastores entrou com recurso, mas em 2017 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão do TJ-BA.
O caso, no entanto, teve uma reviravolta em 2018, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski anulou, por falta de provas, o processo que envolvia a acusação contra o pastor Fernando na morte de Lucas. Em novembro de 2020, a 2.ª Turma do STF decidiu que os dois réus deveriam ir a júri popular, o que aconteceu esta semana.
O Caso Lucas Terra tornou-se emblemático por envolver obreiros de uma poderosa instituição religiosa e pela demora no julgamento. O pai de Lucas, Carlos Terra chegou a escrever um livro sobre o caso e viajou por vários países pedindo justiça. A prisão de Silvio Galiza só aconteceu depois de Terra acampar na porta do Ministério Público de Salvador. Os pais recorreram a ONGs de defesa dos direitos humanos e ao Ministério da Justiça, na época. Carlos foi entregar uma carta ao escritório da Organização das Nações Unidas (ONU), na Suíça, questionando a demora no julgamento.