O economista Paulo Picchetti, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) e professor da Escola de Economia da FGV-SP, considera o cenário hoje da inflação brasileira mais complicado desde a estabilização da economia, em julho de 1994, com a edição do Plano Real.
De lá para cá, ele aponta dois momentos críticos de aceleração da inflação: em 2003, com a crise de expectativas, quando o dólar chegou a R$ 4, e em 2014, com reajuste de tarifas. Em ambos os momentos, o quadro foi revertido com mais facilidade porque a economia brasileira vinha de um período de expansão. Hoje, no entanto, o espaço para o ajuste de política fiscal existe, mas é menor. "Estamos com a economia andando de lado há bastante tempo. Isso reduz os graus de liberdade, de um lado, para estimular a economia e, de outro, para combater a inflação." A seguir, os principais trechos da entrevista.
<b>O resultado da prévia da inflação de setembro surpreendeu?</b>
Particularmente, a mim não surpreendeu. Acompanho o IPC-S (Índice de Preços ao Consumidor Semanal), que é um índice muito parecido com o IPCA. O IPC-S tinha encostado em 1,20% na terceira quadrissemana de setembro e deve acabar o mês mais para perto de 1,40%. Acho que essa dinâmica vale para o IPCA também. Isso porque há aumentos de energia elétrica, gasolina e também de passagens aéreas (caso do IPC-S), que estão para serem incorporados no fechamento do mês. Acredito que o IPCA de setembro também deve terminar acima dessa leitura da metade do mês.
<b>Esse resultado da prévia de setembro muda a projeção da inflação para este ano?</b>
No caso do IPC-S, acho que muda porque não só o número veio é alto, mas os núcleos estão mostrando uma tendência de aceleração da inflação.
<b>O resultado de setembro, que atingiu dois dígitos em 12 meses (10,05%), pode mudar mais ainda a condução da política monetária?</b>
O Banco Central já sinalizou que virá mais aumento de juros pela frente. O que vai acontecer, além disso, vai ser a reprodução do que já vem acontecendo nos últimos meses. Ele constantemente está checando a evolução da projeção à frente e, se julgar necessário, vai dar sinalizações de aumentos ainda adicionais. Não temos como falar sobre isso hoje.
<b>Quando a inflação vai cair?</b>
Todo mundo, eu, inclusive, imaginava que, na virada do primeiro para o segundo semestre de 2021, os índices iriam bater o pico de 7% acumulado em 12 meses e iriam começar a cair a partir daí. Só que ocorreram várias surpresas: a crise hídrica, aumento das tarifas de energia, combustíveis e esse reaquecimento da economia com a reabertura das atividades suspensas com a pandemia. Então, se chover suficientemente no verão para desligar as térmicas, retirar as bandeiras criadas e essa mesma chuva ajudar na safra agrícola e na pecuária, imagino que, em algum momento do primeiro trimestre do ano que vem, teremos uma descompressão da inflação. Mas tudo isso está condicionado a esses fatores que são difíceis de prever. Isso sem incluir um outro lado que vem forte: toda a incerteza política ligada às reformas e à situação fiscal, que impedem o recuo do dólar, apesar do ganho das exportações. Vamos lembrar que 2022 será um ano eleitoral. Isso amplia as incertezas. Mas, sendo otimista em relação tanto ao clima meteorológico, quanto ao político, imagino numa descompressão na inflação no primeiro trimestre de 2022.
<b>Se compararmos o quadro da inflação no Brasil após o Plano Real, a partir de julho de 1994, hoje o cenário é mais complicado do que naquela época?</b>
Sem dúvida. Tivemos um momento de alta da inflação em 2003 com crise de expectativas, com o câmbio chegando a R$ 4, o IGP (Índice Geral de Preços) disparando, mas foi contornado. Assim que o tripé macroeconômico (meta de inflação, meta fiscal e câmbio flutuante) foi reafirmado, o Banco Central reagiu e o ajuste foi feito e o quadro revertido. Mais recentemente, depois da reeleição de Dilma (presidente Dilma Rousseff), houve o reajuste tarifário e um ano de aceleração forte da inflação, mas também foi revertido. Diga-se de passagem, com uma recessão bastante profunda. O cenário de agora é mais complicado em termos de graus de liberdade. O espaço para o ajuste de política fiscal e monetária é menor comparado a esses dois episódios anteriores. Ele existe, mas é menor. Isso porque estamos com a economia andando de lado há bastante tempo. Ao contrário de 2003 e de 2014, quando estávamos no fim de um período de expansão. Isso reduz os graus de liberdade, de um lado, para estimular a economia e, de outro, para combater a inflação. Isso torna o momento atual particularmente desafiador.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>