Foi por um acaso que o diretor teatral e de óperas William Pereira encontrou um texto que mescla duas de suas paixões: a música e o teatro. Pesquisando em uma livraria especializada em artes cênicas, ele deu de cara com o livro The Composer Plays, que tinha a capa ilustrada por uma imagem do líder russo Josef Stalin (1878-1953) ao lado de dois músicos. Após ler, decidiu traduzir e dirigir uma das quatro peças contidas no volume: Aula Magna com Stalin estreia nesta quinta-feira, 21, no CCBB.
O caminho para encenar a peça foi árduo, já que o texto foi traduzido em 1995 e, nesses 20 anos, foram várias as tentativas de montá-lo. “Eu sempre esbarrava em dificuldades”, diz Pereira. “(Os possíveis patrocinadores) achavam que o público não entenderia, que o texto era erudito demais, culto demais.”
De fato, Aula Magna com Stalin (Masterclass, no original) é um espetáculo pesado. Com dois atos – cada um com cerca de uma hora -, a peça é verborrágica, bastante calcada no texto. O enredo também não é leve: Stalin (interpretado por Jairo Mattos) convoca dois músicos – Sergei Prokofiev (Carlos Palma) e Dimitri Shostakovich (Felipe Folgosi) – para questionar seus modos de trabalho, seus gostos e suas preferências. Também participa da conversa Andrei Jhdanov (Luiz Damasceno), autoridade da Cultura na Rússia dos anos 1940 que, claro, se coloca do lado de Stalin.
Nos dois atos, embora em quantidades diferentes, a encenação mescla terror e humor. Stalin e Jhdanov agem de maneira irônica e ditatorial, em um perverso jogo de morde e assopra, enquanto os músicos ficam acuados, com alguns momentos explosivos. As cenas são regadas a vodca, que Stalin insiste em oferecer a seus interlocutores, constrangendo os que negam a bebida.
Para criar o texto, o dramaturgo britânico David Pownall mesclou realidade e ficção. “Tive a ideia de escrever a peça depois de ler um relatório traduzido sobre a conferência”, diz, em entrevista ao Estado por e-mail, citando a Conferência dos Músicos que ocorreu no Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, em 1948. Depois disso, Pownall fez uma viagem à Rússia para colher histórias de bastidores que pudessem enriquecer a dramaturgia.
Masterclass se popularizou principalmente em países como Estônia e Hungria. Pownall lembra que, em 1982, primeira vez que a peça foi montada na região da antiga União Soviética, a população da região estava se conscientizando sobre as possibilidades de uma real mudança política. “Colocar o Stalin no palco era uma ousadia, mas era possível porque o controle sobre a cultura em Moscou estava ficando mais fraco à medida que a burocracia soviética chafurdava.”
Assim como a discussão nas cenas de Aula Magna com Stalin, o ambiente criado por Pereira tem um peso e passa a sensação de claustrofobia. Os quatro personagens conversam o tempo inteiro trancafiados em uma sala não muito espaçosa, cercados por pilhas de caixas pretas que guardam diversos discos. Ao fundo, uma grande bandeira vermelha com o símbolo da União Soviética no centro.
Para Pereira, um dos trunfos do texto é, justamente, o confronto da arte com a política. “Há o embate entre o indivíduo e o Estado, entre o artista e o poder. Existem ligações perigosas entre uma coisa e outra”, afirma. “De forma mais ou menos sutil, o poder sempre quer doutrinar a arte ameaçando sua matéria-prima, que é a liberdade.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.