Variedades

Peças sobre ditadura invadem Santos

Principalmente pelo idioma, às vezes tem-se a impressão de que o Brasil fica à parte da América Latina. Apesar de o País ser rodeado por vizinhos hispânicos, existe um certo distanciamento de suas culturas, o que se amplia com a enxurrada de referências vindas dos Estados Unidos e da Europa. A ideia do Mirada – Festival Ibero-americano de Artes Cênicas de Santos é fazer esta aproximação. Bienal, o evento abre, nesta quinta-feira, 4, sua terceira edição, com 40 espetáculos de companhias de 12 países.

A mostra vem mantendo sua dimensão desde o ano de estreia, em 2010. Agora, tem um crescimento modesto: passa a ocupar dois novos espaços de Santos (a Casa Rosada e a Cidade de Containers Emissário Submarino) e dá mais espaço para dois espetáculos. “13 Sonhos, do colombiano Teatro Odeon, é uma ocupação”, diz o assistente da Gerência de Ação Cultural do Sesc SP, Sérgio Luís Oliveira.

“Teremos oito apresentações com cenografia especialmente preparada para o estacionamento da unidade do Sesc em Santos.” Ele explica que o cenário também funcionará como uma exposição, ficando aberto à visitação pública nos momentos em que a peça não é apresentada.

O espetáculo infantil Ilha do Tesouro, da paulista Kompanhia do Centro da Terra, terá seis apresentações na Fortaleza da Barra Grande, no Guarujá. A encenação também transforma o local, convidando os espectadores para uma caça ao tesouro que começa em um píer e termina no outro lado do canal.

A curadoria segue com o mesmo olhar. Além de focar nas obras ibero-americanas, com pesquisas em diversos festivais internacionais, há o cuidado de inserir o Mirada em um contexto que não o deixe experimental, nem tradicional. “É um conjunto de obras muito próximo do que chamamos de teatro contemporâneo”, informa Oliveira. “São montagens que, de alguma forma, se descolaram da tradição, trazendo as mais novas tendências do teatro.” A efeméride do cinquentenário da ditadura no Brasil também fez com que a curadoria se concentrasse em espetáculos que tivessem esta temática ou mostrassem as consequências atuais. Neste caso, fica mais nítida a semelhança entre o Brasil e os países vizinhos, que também tiveram seus regimes ditatoriais.

Três dos espetáculos nacionais abordam o assunto. Walmor y Cacilda 64 – Robogolpe, do Teatro Oficina, revê o peso da ditadura sobre o teatro, mesclando a época com a vida da atriz Cacilda Becker. O Mirada é, também, uma boa oportunidade para ver Puzzle A, que segue essa tônica. Parte de uma trilogia (que inclui Puzzle B e Puzzle C), a peça foi criada por Felipe Hirsch para ser apresentada na programação paralela da Feira do Livro de Frankfurt, em outubro de 2013. Depois disso, fez curta temporada em São Paulo. Com viés mais atual, a montagem traz à tona as manifestações e a potência das redes sociais. Por fim, Nuestra Senhora de las Nuvens, pré-estreia do grupo potiguar Clowns de Shakespeare, conversa bem com a ideia do Mirada. O espetáculo surge da necessidade de o grupo entender as semelhanças e diferenças entre o Brasil e os países hispânicos. O Clowns decidiu, então, adaptar a obra de Aristides Vargas, autor que fugiu para o Equador por causa da ditadura argentina. No enredo, o elenco trata das diferentes formas de exílio.

País homenageado desta edição, o Chile tem sete peças no evento. O teor político aparece em La Imaginación del Futuro, da Compañía La Resentida – que recria os últimos dias de Salvador Allende-, e em El Húsar de la Muerte, do Colectivo La Pato Gallina -, que dá tom tragicômico à história da independência chilena.

Além de Nuestra Senhora…, há duas outras estreias na programação do Mirada. Com direção de Claudia Schapira e Georgette Faddel, a Companhia São Jorge de Variedades mostra sua versão para Fausto, de Goethe. O espetáculo, que marca os 15 anos do grupo, usa coros para contar a história do homem que vende a alma ao demônio para conseguir mais conhecimento. Woyzeck, outro clássico alemão, ganha versão da cia paulista pH2: estado de teatro com a estreia de Stereo Franz. A trama mostra a relação do protagonista Franz com o seu médico, que o escuta apenas por intermédio da música, em uma difícil comunicação.

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