A cinco meses do início oficial da corrida eleitoral, surgem os primeiros sinais de como tende a ser a combinação entre dinheiro privado e poder público na disputa deste ano. Apesar do fundo eleitoral bilionário aprovado para irrigar as campanhas, um grupo de empresários se apresentou a representantes do agronegócio e pediu contribuições para ajudar na reeleição do presidente Jair Bolsonaro. O grupo dizia falar em nome de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro, e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que é um dos coordenadores da campanha do pai.
Apesar da simpatia de boa parte dos empresários do campo pela reeleição de Bolsonaro, a maioria dos abordados se sentiu constrangida com a forma como os pedidos chegaram e fez com que esse sentimento fosse transmitido a seus interlocutores no Palácio do Planalto. Ficaram especialmente apreensivos com as menções a Costa Neto e Flávio. O chefe do PL foi condenado e preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no mensalão, primeiro grande escândalo de corrupção da era PT. E o filho do presidente é investigado pela suspeita de se apropriar de salários de funcionários do gabinete quando era deputado estadual.
Os queixosos não gostaram de ver esses políticos envolvidos na arrecadação de dinheiro. A abordagem pela doação está registrada em mensagens trocadas num grupo de WhatsApp, ao qual o <b>Estadão</b> teve acesso. Foi ali que chegaram os primeiros pedidos, feitos de forma mais incisiva por Bruno Scheid, administrador de fazenda de gado em Ji-Paraná (RO). Também atuaram o pecuarista Adriano Caruso, de São José do Rio Preto (SP), filiado ao PL, e Cuiabano Lima, locutor de rodeios e secretário de Turismo de Barretos (SP).
Os três não eram estranhos no grupo de WhatsApp. Todos ali se conheciam por causa de movimentos pró-Bolsonaro desde o ano passado. Recém-filiado ao PL, Scheid gosta de exibir sua proximidade com a família do presidente. Nas redes sociais, posta fotos com Flávio e o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos). Em fevereiro, viajou com a comitiva no avião presidencial de Brasília a Porto Velho (RO).
As trocas de mensagens ocorreram entre os dias 5 e 21 de fevereiro deste ano. No grupo de WhatsApp estavam pecuaristas de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Pará, Tocantins, Acre, Rondônia e São Paulo. A maioria defendeu a candidatura de Bolsonaro em 2018 e mantém o apoio.
<b>Reunião</b>
Na abordagem pelo WhatsApp, os arrecadadores propagaram um possível encontro de ruralistas com Bolsonaro, no início deste mês, para tratar de assuntos do setor. A reunião estaria sendo articulada pela Presidência. Os ruralistas dispostos a contribuir com a campanha seriam convidados para um evento no mesmo dia em Brasília, com a presença de Costa Neto e de Flávio.
Ex-presidente da Aprosoja-RO e um dos principais líderes rurais de Rondônia, Valdir Masutti Júnior, o Juca Masutti, disse que chegou a ser procurado por Scheid para discutir um encontro, sem dar detalhes. "Ele me falou que iria falar com Bolsonaro. Perguntei: Falar o quê? Você não vai sair de Rondônia sem uma pauta do setor . Não me procurou mais", relatou. "Eu dei uma cortada. Sou objetivo."
Secretário de Agricultura de Rondônia e presidente regional do PSL, Evandro Padovani também afirmou que Scheid não representa o setor na Região Norte. "Essa pessoa (Scheid) administra uma fazenda de um proprietário da Itália. Estou há 22 anos em Rondônia, e o desconheço como líder ruralista."
Na campanha de 2018, o agronegócio, especialmente os médios produtores, apoiou Bolsonaro. Não houve, porém, coleta nacional de recursos nem centralização da busca de dinheiro. Os ruralistas promoveram de forma isolada, e regional, churrascos, carreatas e comícios. A conjuntura política agora é outra. Bolsonaro não é mais um nome novo, encara uma corrida dura com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e fechou alianças com a chamada velha política. Seu comitê de campanha quer uma estrutura profissional. O PL se prepara até para lançar um site para doações.
De uma família tradicional na criação de gado originária de Maringá, o produtor rural João Delorenzo Neto, hoje em Mato Grosso do Sul, confirmou que houve uma tentativa de levantar fundos para a campanha de Bolsonaro. Mas não entrou em detalhes. Ele se disse a favor de uma articulação, mas "se forem pessoas sérias e comprometidas".
Já o ex-prefeito de Água Boa (MT) Maurício Tonhá, presidente da Estância Bahia Leilões, admitiu que existe uma expectativa de contribuição por parte de empresários do agronegócio e que pretende ajudar a atrair futuros doadores. Negou, no entanto, ter sido procurado, agora, para arrecadação de recursos. "Vou pedir sem nenhuma cerimônia. Fulano, você já ajudou? Toma jeito, rapaz . Alguns vão ficar em cima do muro, e 90% vão doar", disse Tonhá.
Ao <b>Estadão</b>, o empresário Bruno Scheid negou ter participação ativa na organização da pré-campanha de Bolsonaro com o agronegócio e na estratégia de arrecadação. "Não procede", afirmou o empresário. Ele também negou ter se filiado ao PL ou a intenção de disputar um mandato de deputado. O próprio Scheid, porém, já havia divulgado sua filiação, abonada por Costa Neto.
<b> Põe no 22 </b>
O locutor Cuiabano Lima, frequentador do Palácio do Planalto, não respondeu aos contatos da reportagem. Lima atua como agente de Bolsonaro no agro, além de ser garoto-propaganda de estatais, como a Caixa Econômica Federal. Na semana passada, em cerimônia oficial da Presidência, pediu voto pela reeleição: "Põe no 22 aí", declarou, ao lado do presidente.
O exportador de gado vivo Adriano Caruso, de São José do Rio Preto, também negou participar da ação de arrecadação. Ele é o fundador do G-Agro, uma rede de grupos de WhatsApp que reúne produtores para debater agronegócio e política. No ano passado, essa rede mobilizou doações para o Pátria Voluntária, programa da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Um dos alvos do grupo foi o empresário Reinaldo Zucatelli, que preside o diretório do União Brasil em Marabá (PA). Proeminente do agronegócio e da indústria no sudeste do Pará, ele afirmou que "nunca ajudou financeiramente, ajudou falando, esclarecendo".
<b>TSE veta doações antes da oficialização da candidatura</b>
Ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o advogado Henrique Neves disse que não é permitido receber doações antes da candidatura ser autorizada pelo tribunal. "Na teoria da lei, não. Salvo em relação às despesas para instalação de comitês de campanhas que podem ser ajustadas antes, mas só podem ser efetivadas depois", afirmou Neves ao analisar a regra, genericamente.
Segundo especialistas em Direto Eleitoral, é comum candidatos pedirem recursos antes de oficializar a candidatura, desde que deixem acertado que a contribuição seja efetivamente feita no período eleitoral. O TSE permite, porém, arrecadação coletiva, a partir de maio, por meio de sites de vaquinha, que recebem doações individuais. Depois, o valor deve ser integrado à prestação de contas. Os candidatos só recebem os recursos se a candidatura for confirmada.
Procurados, Flávio Bolsonaro e Valdemar Costa Neto não responderam aos questionamentos do <b>Estadão</b>.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>