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Pedofilia na Igreja Católica é o tema de Graças a Deus

Nas sucessivas entrevistas que deu para o jornal O Estado de S. Paulo, sempre que estreava um novo filme seu, François Ozon repetia sempre o mesmo mantra. Cada novo trabalho era sempre feito contra o anterior. Umdos mais conhecidos e persistentes cineastas franceses, com um novo filme a cada ano, ou dois, seu nome virou sinônimo de versatilidade. O Ozon anterior, O Amante Duplo, era um thriller psicanalítico, sobre o tema dos gêmeos, com alguma reminiscência de David Cronenberg – Mórbida Semelhança.

Ozon agora está de volta, como é do seu feitio, com outro filme diferente, e não apenas em estilo. Graças a Deus é dos melhores que ele fez. Baseia-se numa história real, e aborda o tema da pedofilia na Igreja Católica. Integrou a seleção do recente Festival Varilux do Cinema Francês, e está estreando nesta quinta, 20.

Um dos protagonistas, o ator Swann Arlaud, veio ao Brasil, integrando a delegação de artistas franceses Também falou com o jornal O Estado de S. Paulo. E disse que, embora trabalhando pela primeira vez com Ozon, dava para ver como esse filme era particular para ele. “François nunca foi explícito, não falava especificamente, mas sempre vi seus filmes. Esse tem o formato de um filme dossiê, cinema documentado.”

Em Berlim, em fevereiro, onde Graças a Deus representou a França – e ganhou o Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri -, o próprio Ozon observou que, mesmo tendo feito diferentes tipos de filmes, pela primeira vez baseou-se numa história fartamente documentada, na imprensa, inclusive. Graças a Deus baseia-se na história de um grupo de homens católicos que formam uma associação – Palavra Liberada – para forçar a Igreja a uma atitude contra o padre que abusou deles no passado.

O arcebispo de Lyon desculpa-se, o padre Freynat reconhece a culpa, mas segue oficiando a missa e trabalhando com crianças. O site da associação passa a abrigar relatos em primeira pessoa de quem sofreu abuso. Ozon, em Berlim – “Foi uma escolha deliberada reproduzir nos diálogos, e com as mesmas palavras, o que estava no site. E quando você faz isso, o tom tem de ser outro. Você não pode brincar com a câmera, como já fiz em outros filmes, no passado. É preciso impor-se uma sobriedade, mas sem perder o foco humano. Estou falando do sofrimento de pessoas, ser compassivo era fundamental.” E ele acrescentou – “Embora baseado em fatos, e documentos, o filme é uma ficção. Não sou documentarista. Troquei os nomes das pessoas justamente para descolar um pouco o filme do peso da realidade. Ainda existe muito preconceito, e o estigma de que esses homens fossem identificados na rua como vítimas de abuso é uma responsabilidade muito grande. Na própria associação, teve gente que não foi adiante para evitar rótulos. Nas famílias, os filhos que não sofreram abuso, até pais reclamam. Tudo isso ocorreu há muito tempo, a vida segue, é preciso superar.”

“Não fiz o filme para impactar nenhum processo, nem para referendar o aspecto legal da questão, mas porque a história é muito forte e, desde que tive acesso a ela, esses personagens passaram a conviver comigo. Cheguei a ela meio por acaso, navegando no site da associação, mas os depoimentos eram tão fortes, tão verdadeiros, que me apanharam. Conseguimos, no roteiro, criar uma curva dramática bem complexa. Alexandre/Melvil Poupaud é um executivo que tem a vida estruturada e o apoio da mulher, mas Emmanuel/Swann Arlaud teve a vida destroçada. É o mais vulnerável de todos, e como tal mexe comigo, com meus sentimentos. Uma vez que você se compromete com seus personagens não tem volta. O filme tornou-se uma necessidade vital.”

Ator e também diretor, Melvil Poupaud lembrou, na coletiva da Berlinale – “Já havia feito dois filmes com François, e no fundo sempre esperei que ele me chamasse para um terceiro, um quarto.” E Poupaud, afirmando o que disse Swann Arlaud no início do texto – “Gosto de trabalhar com François. Ele é rápido no set, compreende os atores, tem uma qualidade rara, que é a gentileza. Sinto nele um comprometimento grande com as histórias que quer contar, mas essa adquiriu uma dimensão especial. O filme é diferente dos outros que ele fez.

Tem uma distância que me pareceu necessária. Quando li o roteiro, me pareceu que não tinha nada de artificial. Eu só não queria conhecer o Alexandre real. Não queria imitá-lo, queria criar o meu Alexandre. François me apoiou, e só tenho de agradecer por isso.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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