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Pedro Almodóvar: Valores pelos quais lutamos têm de ser defendidos

Pedro Almodóvar tem a teoria de que seus filmes com protagonistas masculinos, como o semiautobiográfico Dor e Glória, de 2019, são mais sombrios e obscuros.
Mães Paralelas, que a Sony Pictures Classics estreia nos cinemas dos Estados Unidos na sexta-feira, leva Almodóvar de volta ao terreno mais melodramático. Penélope Cruz e Milena Smit interpretam duas mães solo que se conhecem no hospital onde suas filhas recém-nascidas são acidentalmente trocadas ao nascer.

Esse segredo se desdobra de maneiras imprevisíveis enquanto o filme também investiga outro passado oculto: as valas comuns da Guerra Civil Espanhola.
Mães Paralelas não será tão autorreflexivo quanto o último filme de Almodóvar, mas é o mais politicamente introspectivo do diretor de 72 anos e o primeiro a lidar com o legado do governo franquista.

<b>Deve ter sido irônico fazer, no meio da pandemia, um filme no qual swabs e exames de laboratório são parte fundamental da trama, para comprovar a maternidade das meninas…</b>

Quando estava escrevendo o filme, um ano antes, parecia ficção científica. Mas quando fizemos o filme, me pareceu muito familiar que Penélope usasse os cotonetes para fazer análise genética.

<b>O que o interessou em fazer um filme sobre a exumação das valas comuns da Guerra Civil Espanhola?</b>

Bom, acho que a ideia chegou até mim com maturidade em termos cinematográficos e também em termos pessoais. Faz muito tempo que quero fazer um filme sobre túmulos, coisa que, curiosamente, o cinema espanhol nunca fez. É algo verdadeiramente triste. Em 2013 ou 14, alguns pesquisadores da ONU vieram fiscalizar a situação em nosso país e ficaram muito surpresos com o fato de que a pessoa que os havia contatado para informá-los sobre a abertura das sepulturas já era a geração dos bisnetos das vítimas. Ou seja, a geração que tinha nascido na democracia. Os pesquisadores afirmam que a Espanha tem uma relação muito ruim com o seu passado.

<b>Mas seu ponto de entrada nessa história vem por meio de um melodrama semelhante aos de seus outros filmes, o que acaba ocultando as intenções mais políticas do longa…</b>

Não queria só fazer um filme sobre valas comuns. Fiz tudo por meio de uma personagem, a Janis (Cruz), que tem um legado da avó, que a salvou e a criou porque era órfã. Essa mulher está tentando abrir as valas, porque não é só uma questão de identificar, é para mostrar que elas existiram. O que Franco fez a essas pessoas ao condená-las à vala comum foi tirar toda a sua humanidade, condená-las à inexistência. Me interessei em contar essa história por meio dessa mãe, porque ela procura a verdade da memória histórica espanhola, mas ao mesmo tempo vive o dilema moral de que na sua vida não se pauta pela mesma verdade.

<b>Seus primeiros filmes na década de 1980 vieram depois de anos de censura na Espanha e contribuíram significativamente para um período pós-Franco de liberação nas artes. Você chegou a dizer que Franco teve de morrer para você viver. O filme Mães Paralelas foi motivado por uma nova ascensão do fascismo?</b>

Jamais poderia ter feito um filme com Franco vivo. Achava que estávamos vacinados aqui na Espanha, por termos vivido aquela experiência horrível da guerra civil, que penso ser o pior exemplo de guerra. Eu via, cinco anos atrás, digamos, que a extrema direita estava crescendo na França, com o Donald Trump aparecendo nos Estados Unidos, o Jair Bolsonaro no Brasil etc., mas pensava que a extrema direita nunca chegaria à Espanha. Às vezes penso que é o efeito Trump, que deu voz a muitos extremistas que se espalharam pelo mundo pensando: "Se esse homem diz essas coisas, não tenho motivo para não as externar". Ele impulsionou todos os extremistas e ultradireitistas no Brasil, Itália, França e Espanha. Agora acontecem coisas que eram impossíveis de acontecer nos anos 80 ou 90. Agora vemos cada vez mais ataques homofóbicos, cada vez mais xenofobia. É um sentimento muito negativo ver que todos os valores pelos quais lutamos agora precisam ser defendidos mais uma vez, com toda a força. (Tradução de Renato Prelorentzou)

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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