Os projetos com orquestra seguem um padrão do qual poucos artistas se encorajam a desapegar-se. Orquestra pressupõe investimento maior, que pressupõe retorno certo. O que significa pouco risco. Fazer um disco acompanhado por 24 músicos, com produção cara, teria de ser recheado por hits, como fazem os norte-americanos. Pedro Mariano não fez.
O repertório de seu novo CD e DVD lançados com orquestra é essencialmente uma investida pessoal. Cada canção, como ele mesmo explica em um faixa a faixa comentado, tem do artista um explicação emocional. O disco é quase uma autobiografia, narrando por música amizades, desafios, aquilo que o faz rir e chorar. Os arranjos foram colocados nas mãos do maestro Otávio de Moraes, do pianista Marcelo Elias, de Armando Ferrante Jr e Conrado Goys.
A música Simples, do amigo e parceiro Jair de Oliveira, faz a abertura no conceito que sustentará as 16 faixas. Uma formação de banda, com o piano de Marcelo Elias, o baixo de Luiz Gustavo Garcia, bateria de Thiago Rabello e guitarra de Conrado Goys, com cordas e sopros cheios. Mesmo para canções conhecidas, houve um trabalho de introduções que criam expectativas e surpresas de reconhecimento. Certas Coisas, de Lulu Santos e Nelson Motta, faz isso. Mesmo não sendo do repertório de Pedro, ele fala de sua descoberta: “Sempre que ouvia, tinha vontade de cantar junto”. Só parece óbvio. É aí que o artista sente a canção soar verdade em sua voz, algo além do fato de o tom original ser o seu tom também. Elias foi delicado no arranjo, criando um dos momentos do projeto em que Pedro flutua.
Al Otro Lado Del Río, de Jorge Drexler, é outra dessas apropriações naturais, quando a música parece escolher o artista e não vice-versa. A gravação em espanhol, o que poderia ser uma barreira a um artista que não grava em outra língua, chega a apontar para uma direção viável a Pedro. Gravar mais em outro idioma pode funcionar mais do que seus receios permitem. A música foi chegando aos poucos. “Fui assistir (ao filme) Diários de Motocicleta e fiquei louco logo de cara.”
Um dos picos é Faltando Um Pedaço, de Djavan. As cordas preparam o terreno, a voz entra e a plateia não se contém. No conceito orquestral, o ritmo se dilui nas nuvens de sopros, violinos e violoncelos e estende a cama para um canto mais livre. Quando Pedro conta como a música o encontrou, fica mais fácil entendê-lo no palco. Foi em um show de Djavan. “Da metade para o final da música, não consegui me segurar e comecei a chorar.” Uma relação que se manteve. “Ele abre a boca para cantar essa música e eu choro… O Djavan pinta quadros com palavras, cria uma imagem atrás da outra.”
O grande teste de desapego ao formato megahits vendedores talvez seja com Você. A canção é de Roberto e Erasmo Carlos, mas não está entre as suas 20 mais conhecidas. Talvez nem entre as 30. De novo, houve pesquisa e o que encaixou melhor foi Você. “Eu estava fuçando nos arquivos de música e (quando descobri esta) o olho brilhou.” Você foi testada no palco, em um show no Tom Jazz, em São Paulo, antes de ganhar o seu espaço. Marcelo Elias pensou em um arranjo e criou um interlúdio no momento em que dava aula de piano a um aluno. Pediu 15 minutos, foi ao instrumento, gravou a parte que procurava e mandou a Pedro por SMS.
As duas pedreiras são Sei Lá Eu, de Pedro Altério e Pedro Viáfora, que Pedro Mariano cita como o “maior desafio do projeto”. “Ela vai picotando, é toda em tempo composto. É sete por oito, vira seis por oito e depois quatro por quatro.” E Sangrando, de Gonzaguinha, o grande momento do show, de um grau de dificuldade emocional maior do que todas as outras. Algo que ele mesmo reconhece. “Gonzaguinha é um dos artistas mais viscerais que conheço, ele vai e coloca o dedo na ferida em cheio. Ele não maquia, fala a verdade.” De novo, a verdade decidindo o jogo.