Estadão

Perfeito como conde Drácula, Nicolas Cage exagera e diverte

Em Um Estranho Vampiro, de 1988, Nicolas Cage interpretou um agente literário de Nova York que pensava ser um sugador de sangue imortal. Sua atuação de olhos esbugalhados marcou o nascimento da mitologia dos exageros artísticos do ator. Anos depois, essa mitologia lançaria mil memes – uma espécie de versão digital de virar morto-vivo.

Trinta e cinco anos depois, com Renfield – Dando Sangue pelo Chefe, Cage está finalmente interpretando o papel genuíno e completo, com presas sanguinárias e uma elegante capa de veludo. Escolher Cage, o maior dos nossos demônios, para o papel de Drácula é tão óbvio que quase corre o risco de ser exagerado. A boa notícia é que ele é perfeito como Drácula. A má notícia é que o Drácula de Cage aqui é só um coadjuvante, o que faz de Renfield mais um petisco saboroso do que um grande banquete.

Isso não é um descrédito para Nicholas Hoult, que interpreta o dedicado capanga do Drácula de Bram Stoker em Renfield, de Chris McKay, em cartaz nos cinemas. O filme, escrito por Ryan Ridley, molda Robert Montague Renfield menos como um lacaio que só fala "sim, mestre" e mais como uma pessoa de verdade – ou meia pessoa: seus poderes sobrenaturais são mantidos, por algum motivo, com a ingestão de insetos. Renfield, comédia salpicada de sangue de cima a baixo, conta a história de Renfield tentando se libertar da influência temível de Drácula – "um relacionamento destrutivo", como Renfield explica no grupo de autoajuda.

É uma ideia bacana (Robert Kirkman tem um crédito pela história) que os cineastas tenham decidido não complicar demais. Mesmo que Renfield apresente um monstro com desejo crescente de dominar o mundo e muitas cabeças humanas explodindo, os riscos são baixos neste spin-off. O tom é esquisito e ensanguentado, mais próximo de um episódio meio nojento de Buffy, a Caça Vampiros, do que do espirituoso O Que Fazemos nas Sombras.

Os vampiros estão na moda há algum tempo, mas geralmente em interpretações com maior simpatia por eles – elegantes, sensuais ou juvenis. As abordagens do próprio Drácula têm sido mais raras, e o fato de ele ficar meio de lado talvez seja um sinal das ambições menores de Renfield.

Retornando ao território dos grandes estúdios depois de uma década às vezes emocionante, às vezes confusa nas paragens do cinema independente, Cage está totalmente preparado para o momento. Há muito fã declarado do Nosferatu de F.W. Murnau, o ator canaliza algumas das interpretações clássicas de Drácula – como a de Béla Lugosi, sobre quem Cage é sobreposto num flashback tirado de Drácula, de 1931. Vale o preço do ingresso ver o Drácula de Cage soltar um breve "Woo!" ao despertar para um novo senso de si mesmo como um deus.

No entanto, Renfield estranhamente deixa de explorar essa veia para fazer um filme ambientado em New Orleans envolvendo uma família criminosa e corrupção policial. Awkwafina estrela como Rebecca Quincy, policial de trânsito honesta que quer vingar a morte do pai e prender a família Lobo, uma gangue de traficantes liderada pela matriarca Ella (Shohreh Aghdashloo).

FOCO. É fácil ver o propósito: trazer pessoas engraçadas para preencher o cenário da tentativa de Renfield de se livrar das ordens de Drácula. Mas, ao tentar preencher as coisas, McKay, diretor de A Guerra do Amanhã e Lego Batman: O Filme, perde o que deveria ter sido o foco do longa.

Ainda assim, Renfield é agradável. A falta de seriedade é uma qualidade em qualquer filme como este. E Hoult consegue ser incrivelmente doce ao mesmo tempo que usa membros humanos para decapitar outras vítimas. Algumas das melhores cenas são dele nas reuniões do grupo de apoio para falar sobre relacionamentos tóxicos. Mas Renfield nunca deixa Cage afundar os dentes de verdade no filme, deixando a gente com fome de mais.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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