"O que que há, velhinho?" O bordão, repetido à exaustão nas animações do Pernalonga, já faz parte do imaginário coletivo. Em julho, o personagem completa 80 anos em meio a uma nova fase, com curtas animados publicados na internet. Mas Pernalonga é muito mais que um coelho (ou uma lebre?) esperto; ele é um dos personagens mais importantes da história da animação.
A primeira aparição oficial do Pernalonga (<i>Bugs Bunny</i>, no original) foi em 27 de julho de 1940, no filme <i>A Wild Hare</i>. Apesar disso, dois anos antes, o mesmo estúdio de Leon Schlesinger havia produzido <i>Porkys Hare Hunt</i>, um curta animado com premissa muito semelhante.
Há uma grande diferença, porém, no traço dos personagens do filme de 1938 para o de 1940. O coelho ainda era conhecido pela genérica alcunha de <i>Happy Rabbit</i> e o caçador que viria a evoluir para ser o Hortelino (<i>Elmer Fudd</i>, no original) ainda tinha feições muito mais próximas das de um porco do que das de um humano.
O grande responsável pela remodelação dos personagens foi o diretor Tex Avery (1908-1980), um dos grandes mestres da animação do século 20. Ainda muito jovem, no fim da década de 1920 e no início da década de 1930, Avery trabalhou nos filmes do Oswald, o Coelho Sortudo, uma das primeiras criações de Walt Disney, que seria praticamente um embrião tanto para Mickey quanto para Pernalonga nos anos seguintes.
Ainda nos anos 1930, Avery sofreu um acidente e perdeu a visão em um dos olhos, o que afetou sua percepção de profundidade. Há quem acredite que esse problema acabou virando uma vantagem para o animador, que conseguiu inovar na forma da animação por meio do exagero e da distorção dos personagens, técnica que ele aplicou não apenas com o Pernalonga, mas em todas as criações que ajudou a consolidar dos <i>Looney Tunes</i>.
Não somente os desenhos animados e quadrinhos inspiraram o personagem. Entre as influências do Pernalonga, estão nomes importantes da comédia, como o humor físico de Charles Chaplin, os aforismos de Grouxo Marx (Pernalonga chega a parafraseá-lo repetidas vezes) e o ar blasé de Humphrey Bogart.
Como o personagem surgiu em meio a um período histórico tenso, durante o auge da 2ª Guerra Mundial, era difícil mantê-lo alheio aos acontecimentos da época. Assim como outros personagens surgidos nesses tempos – o Capitão América dava um soco em Hitler na capa de sua primeira edição, o Pato Donald vivia sob o jugo do nazismo em um de seus filmes – o Pernalonga também foi usado como peça de propaganda de guerra, em filmes como <i>Bugs Bunny Nips the Nips</i> (1944) e <i>Herr Meets Hare</i> (1945).
Já nos anos 1950, Pernalonga incorporou o espírito otimista da época e passou a ser uma espécie de porta-voz do chamado American Way of Life. E na segunda metade do século 20, o personagem integrou diversas mídias, fazendo parte de filmes de sucesso, incluindo inovações estéticas mesclando animação e <i>live action</i>, como <i>Uma Cilada para Roger Rabbit</i> (1988), de Robert Zemeckis, em que Pernalonga faz uma breve aparição, e <i>Space Jam: O Jogo do Século</i> (1996), de Joe Pytka.
Mais recentemente, os personagens clássicos de Looney Tunes, como Pernalonga, Hortelino, Patolino, Marvin, Frajola, Piupiu, entre outros, ganharam uma websérie de curtas animados, alguns de apenas um minuto e outros com maior duração, inspirados nos filmes tradicionais dirigidos por Avery e outros mestres da animação. Uma boa pedida para a comemoração dos 80 anos de Pernalonga.