Mundo das Palavras

Personagens que pedem votos, nas eleições

O escritor que se postasse diante de um aparelho de televisão, durante o período de propaganda política, no Brasil atual, encontraria um numeroso e diversificado elenco de personagens já perfeitamente delineados.


Se quisesse incorporar num texto este elenco, que também se mostra nas ruas através de materiais impressos e sonoros, o escritor teria apenas de inseri-lo na trama a que eles pertencem.


 


Há, no elenco, personagens humorísticos. Para leitores não muito exigentes, eles transmitem uma alegria suspeita porque produzem também, contraditoriamente, uma tênue depressão, já que retratam a democracia pelo inquietante ângulo da sua degradação.     


 


  Há personagens curiosamente messiânicos. Estão na disputa apenas para anunciar a suposta existência de outra ordem político-econômica muito superior à nossa. Mas, fazem isto de um modo um tanto ingênuo, simplório, rústico. Vê-los e ouvi-los produz em nosso espírito a suspeita de que eles próprios não entendem bem aquilo que oferecem.


 


Há os exibicionistas. Deixam logo evidente que se inscreveram nos partidos com o único objetivo de buscar a fugaz projeção dada pelas rádios e televisões no horário político. Têm, claramente, consciência de que não serão eleitos. Mas não se importam com isto. Ficam felizes apenas com as aparições públicas.     


 


Há os espertalhões típicos, já beneficiados por outras eleições. Provocam certa repugnância. Talvez porque disfarcem mal que nos consideram otários manipuláveis. Tornam-se pegajosos no esforço para nos agradar. Não percebem que carregam uma mensagem escrita na testa: “Ô Zé Mané, bota lá na urna a porcariazinha do teu voto para que eu possa continuar roubando o imposto que pagas”.


 


E, há os aflitos por ascensão social. Constrangedoramente inadaptados ao papel de candidatos políticos, mal conseguem alinhavar um texto com o qual, imaginam, podem esconder que buscam um trampolim que os retirem da carreira malsucedida, do trabalho mal-remunerado. E os impulsionem na direção do mundo encantado das regalias pagas pelos contribuintes.


 


Contudo, há, é claro, igualmente, os idealistas bem-preparados. Sem eles, o país não teria tido nenhuma conquista econômico-social. Raros e de difícil identificação, são personagens para um público exigente, atento, bem informado, criterioso.


 


A trama a que pertence este elenco – disponível a qualquer escritor – é o da democracia política com expectativa de bons negócios para o país. É uma trama impregnada da euforia que leva muitos destes personagens a acreditarem que, nos próximos anos, os políticos terão dinheiro público ao alcance de suas mãos. Eles compõem um elenco inimaginável dentro da trama que se desenrolou no Brasil, há 40 anos, quando o poder político tornara-se um privilégio dos militares. Eleições existiam, porém, apenas como disfarce para a ditadura. Os opositores, na verdade, estavam mortos, ou presos – muitos sob tortura, ou, no exílio.


 


No entanto, ninguém duvide: a tensão entre personagens, mais aguda na antiga trama, está também presente no Brasil de hoje. Sem tensão, aliás, nenhuma trama tem dramaticidade e densidade. Afinal, nos bons momentos da trama que, atualmente, se desenrola no país, aparecem outros personagens, antagonistas da maior parte dos aqui descritos: o juiz correto, o jornalista independente, o procurador-público bem-intencionado e o policial federal honesto.


 


Felizmente.


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP


 

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