Estadão

Perspectivas e personagens de negociações inéditas na África do Sul após eleições

As eleições da África do Sul não decidiram muito, além do fato de que o Congresso Nacional Africano, o movimento que libertou o país do apartheid em 1994, perdeu sua posição majoritária depois de 30 anos.

Continuou sendo o maior partido do país, no entanto. Sem que ninguém detenha a maioria, as lideranças partidárias sul-africanas estão negociando coligações para compor um governo. A África do Sul nunca havia precisado fazer isso, em razão do longo domínio do CNA.

Existem quatro partidos políticos principais, e pelo menos oito com participações significativas no eleitorado após as eleições da semana passada. O processo será complicado.

Aqui está um guia para conhecer alguns dos principais personagens envolvidos e entender o que pode acontecer a seguir, agora que a África do Sul adentra território desconhecido.

<b>Presidente Cyril Ramaphosa</b>

Ramaphosa, de 71 anos, já foi protegido de Nelson Mandela, e agora foi responsável pelo pior resultado eleitoral na história do CNA. Ele está sofrendo pressão dentro de seu próprio partido, e também dos eleitores, mas conseguiu rir quando um dirigente cometeu um deslize no domingo e se referiu a ele como o presidente "extinto", em vez de distinto. "Ainda não estou extinto", disse Ramaphosa.

O desafio à sua frente é conduzir o partido a uma coligação que ele considere a melhor em meio às diferentes facções internas do CNA. A escolha óbvia é a principal oposição, a Aliança Democrática. Juntos, os dois partidos teriam cadeiras suficientes no Parlamento para governar. Mas a AD vem criticando duramente as políticas do CNA há anos, e o casamento não seria fácil, embora ambos digam que estão abertos a negociações.

Outra alternativa para o CNA é se unir a um dos outros principais partidos de oposição, ou a ambos, o uMkhonto weSizwe, ou partido MK, e os Combatentes pela Liberdade Econômica (EFF, na sigla original). Isso poderia prejudicar a imagem da África do Sul perante os investidores estrangeiros, uma vez que tanto o MK quanto o EFF se comprometeram a estatizar as importantes minas de ouro e platina da África do Sul, além do banco central.

A presidência de Ramaphosa está em jogo, uma vez que um acordo de coligação precisaria também se traduzir em sua reeleição para um segundo mandato. A população sul-africana vota nos partidos nas eleições, para decidir quantas cadeiras cada um terá no Parlamento. Os parlamentares, então, elegem o presidente, e o CNA agora não tem parlamentares suficientes para reeleger Ramaphosa por conta própria.

<b>John Steenhuisen</b>

Steenhuisen, de 48 anos, é o principal líder de oposição, à frente da centrista AD, e o único líder branco entre os quatro principais partidos. Ele diz que seu partido também estava em negociação com vários outros, exceto o MK e o EFF. A AD colocou um limite, e disse que nunca irá cooperar com esses dois partidos, em razão das diferenças ideológicas.

Analistas em peso consideram que a união entre a AD de Steenhuisen e o CNA de Ramaphosa é a opção mais estável de coligação. Alguns já sugeriram que outros partidos menores poderiam ser incluídos para formar uma coligação mais ampla e diluir a mistura entre CNA e AD.

<b>Ex-presidente Jacob Zuma</b>

Zuma foi líder do CNA e presidente da África do Sul até ser substituído por Ramaphosa em ambos os cargos. Eles se tornaram ferozes oponentes. Zuma, de 82 anos, era a grande incógnita desta eleição, após anunciar apenas em dezembro seu retorno à política. Seu partido recém-constituído, o MK, teve um enorme impacto: recebeu 14% dos votos e tirou parte do apoio do CNA, tornando-se o terceiro maior partido do país já em suas primeiras eleições.

O partido de Zuma exigiu a desistência de Ramaphosa como condição para formar uma coligação, sinalizando a hostilidade pessoal. O CNA rejeitou a condição. Embora aparentemente não haja muito espaço para cooperação entre os partidos, o MK detém uma parcela significativa do eleitorado e das cadeiras no Parlamento.

Zuma, que cumpriu pena de prisão por desobediência à justiça, deve ser julgado no ano que vem por acusações de corrupção. Ele foi impedido de concorrer a uma cadeira no Parlamento nesta eleição por sua ficha criminal.

<b>Julius Malema</b>

O partido de Malema, o EFF, perdeu apoio nas eleições e passou a ser o quarto maior partido, atrás do MK. Malema é o mais jovem dos principais líderes, com 43 anos, e também tem laços antigos com o CNA, onde foi uma das lideranças jovens, antes de ser expulso por problemas de conduta.

Reconhecido como incendiário, seu partido segue a ideologia marxista, mas existem pontos em comum com o CNA, e o EFF foi apontado como uma coligação lógica para o CNA antes que o MK o ultrapassasse e reduzisse sua importância. Em razão das suas diferenças, a inclusão do EFF ou do MK em qualquer coligação poderia resultar na saída da AD.

Esta matéria foi originalmente publicada em inglês em 03 de junho de 2024.

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