Professora livre-docente do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), tem como um dos focos de seu trabalho a aplicação da tecnologia na educação. Ela é defensora da ideia de criar mecanismos para provocar o interesse por ciência precocemente nos estudantes e será uma das palestrantes convidadas da 2ª Semcitec (Semana da Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento de Guarulhos), entre os dias 14 e 18 de outubro, no Adamastor Centro (avenida Monteiro Lobato, 374, no Macedo). Roseli discutirá o tema "Educação e Ciência".
Qual a idade para começar a educar alguém para ser cientista ou se interessar por ciência?
A gente já nasce cientista. A escola ruim estraga. Porque nascemos super curiosos, não sabemos exatamente como se aprende a falar, como se aprende a andar. Essas coisas vão acontecendo como? Na base da observação. A criança nasce com uma capacidade de observar e tentar reproduzir coisas parecidas com o que ela observa. Tanto que quando uma criança aprende a subir um degrau de uma escada, ela sobe e desce várias vezes porque ela quer entender como é que funciona aquele processo. Na educação infantil em geral se estimula muito a criatividade, a capacidade de observar. As crianças ficam inspiradas, por exemplo, na (escritora) Tarsila do Amaral e são convidadas a fazer uma releitura da Tarsila e desenhar livremente no papel. Aí, de repente, você coloca na primeira série em algumas escolas e começa a formatar: "agora não pode isso, não pode aquilo", "essa pergunta depois eu respondo", "não faz pergunta agora porque agora você tem de me ouvir". E começa o massacre, de você querer colocar dentro da caixa, de querer formatar aquela criança para ficar todo mundo igual.
Qual deveria ser o papel da escola nesse processo de aprendizado?
O que a gente tem de perceber é que o papel da escola não é fazer que todo mundo fique igual, porque não é uma linha de produção. Acho que cada criança tem de perceber quais são seus potenciais e poder ampliá-los. É instigar muito mais que as crianças possam fazer boas perguntas do que esperar que elas fiquem decorando respostas. Principalmente na área de ciências, você tem de ir evoluindo. Não dá para conseguir entender alguns conceitos que a humanidade levou centenas de anos para conseguir formular, um conceito mais avançado, e achar que vai passar aquilo de vez para a criança e que ela vai decorar. Acho que a gente tem de mudar as estratégias, pois já há uma literatura avançada no ensino de ciências, mas muitos desses avanços pedagógicos na área de ciências não foram incorporados nas nossas escolas. Então o pessoal fica muito engessado num livro, tentando repetir o que está escrito em vez de desenvolver um método científico na criança.
Como seria o desenvolvimento desse método científico?
Teria de focar muito mais no método científico de aprender a pensar, a ter um raciocínio crítico e não de ficar tentando decorar coisas. Ou seja, o cara coloca a fórmula primeiro e depois acha que você vai conseguir relacionar a fórmula com o que você está vendo no mundo real. Então, acho que isso começa desde que você nasceu e a escola precisa continuar nesse processo, usando a inovação que já está na literatura. A gente tem aí autores diversos que trabalham na área de educação há muitos anos, só que a gente tem uma dificuldade muito grande, pois o sistema brasileiro massificou. Houve um avanço enorme, que foi conseguir colocar as crianças dentro da escola, mas assim como a gente ainda está enfrentando dificuldade em matemática e língua portuguesa, na área de ciência os desafios ainda são maiores.
Hoje vivemos em um mundo cercado de tecnologia e cada vez se tem contato com ela mais cedo, mas no que diz respeito a entender como esse mecanismo funciona e iniciar o aprendizado ainda estamos na Idade da Pedra?
Eu acho que em muitos lugares a gente está na Idade da Pedra. Tem conserto. Temos várias experiências muito positivas pelo Brasil afora e não só nos centros desenvolvidos. Mas é preciso replicar isso mais rapidamente, porque a maioria das escolas trabalha numa abordagem de caixa preta, quer dizer, a tecnologia está aí para você ser o consumidor, mas você não precisa entender como funciona. A ciência também. Se você pergunta o nome de um cientista para um jovem ou até mesmo para um professor, ele vai ter dificuldade de responder. E se responder, vai provavelmente responder o nome de um estrangeiro. E o brasileiro precisa perceber que ele também faz parte disso.
Como foi que surgiu a ideia de criar a Feira Brasileira de Ciências?
Como professora da Poli de Engenharia Elétrica, sou muito convidada para fazer palestra, debates, para conversar e expor as áreas em que a gente trabalha. Aí eu comecei a perceber que em algumas áreas a gente conseguia fazer coisas incríveis nos nossos laboratórios de pesquisa, mas que essas coisas demoravam muito ou às vezes nem eram absorvidas pelas empresas locais, pelas indústrias e pela sociedade em geral. Isso começou a me incomodar bastante e por isso que comecei, em paralelo com as atividades de pesquisa na minha área específica, a desenvolver ações trazendo talentos, buscando talentos mais cedo. Porque um aluno que descobre que é apaixonado por engenharia mais precocemente com certeza vai ser alguém protagonista na área. O foco dele não vai ser entrar na engenharia porque é uma profissão tradicional e vai conseguir um bom emprego, vai querer entrar em engenharia porque quer ‘engenherar.
E os resultados colhidos?
Este ano na feira internacional, para você ter uma ideia, junto com a Mostratec, que é mais antiga, do Rio Grande do Sul, a gente levou 30 estudantes finalistas para os Estados Unidos. São 18 projetos. Desses, 10 foram premiados, e é muito difícil ganhar prêmio em uma feira internacional. Desses 10 estudantes, cinco são de escolas públicas, e escolas convencionais, não são escolas técnicas.



