A descoberta de petróleo transformou a Guiana no país mais rico da América do Sul. A renda per capita, corrigida pela paridade de poder de compra, ultrapassa US$ 40 mil, quase igual à de Portugal, segundo o FMI. O PIB cresceu 63%, em 2022, e a previsão é de aumentar 38% este ano. Mas a bonança ainda não chegou à maioria da população. O índice de desenvolvimento humano (IDH), de acordo com a ONU, é pior que o de Paraguai e Equador.
No acesso ao Amazonia Mall, um shopping de Georgetown, é preciso driblar um córrego sujo para desviar dos carros. Não há calçadas. De repente, na entrada, a rua dá lugar a uma alameda de restaurantes de marca. A transformação repentina do cenário é um retrato do país, que descobriu petróleo em 2015, no Essequibo, região que a Venezuela agora pretende anexar.
Com 800 mil habitantes, a Guiana era um dos mais pobres da região, até que o petróleo ofereceu um passaporte para a prosperidade. Antes dele, o país não possuía estradas duplicadas ou portos adequados. A base da economia era agricultura, pesca e garimpo.
O petróleo atraiu investimentos. A ExxonMobil injetou US$ 100 bilhões em oito anos. A Chevron anunciou US$ 53 bilhões este ano. Empresas americanas, britânicas, chinesas e até brasileiras iniciaram obras de infraestrutura para escoar a produção. O aeroporto de Georgetown foi ampliado e 4 mil quartos de hotéis devem ficar prontos em 2024.
O presidente Mohamed Irfaan Ali pretende desenvolver outros setores da economia, para não ficar dependente do petróleo. Segundo Ali, as prioridades são construção civil, energia renovável, turismo e serviços. Nada representa melhor o boom do que os shoppings da capital. "Nada disso existia dois anos atrás", disse o taxista Owen Persaud, de 62 anos. "Antes não tinha cinema. Agora, temos quatro."
<b>Problemas</b>
Persaud, porém, também reclama do progresso. A chegada de estrangeiros piorou o trânsito e aumentou a inflação. Georgetown se tornou mais perigosa, com assaltos e presença do narcotráfico. "Muito dinheiro passou a circular rapidamente", disse.
Os efeitos colaterais, no entanto, não diminuem o apetite da Guiana. Em estradas e ruas, outdoors anunciam oportunidades de negócio, desde indústrias de concreto a oficinas exclusivas para os carros japoneses que lotam a cidade.
Mas, para se tornar mais atrativa, a Guiana precisa se livrar de alguns gargalos. A malária deixa o turismo na Floresta Amazônica mais arriscado. Boa parte do interior é inacessível, porque faltam estradas. Em Georgetown, o esgoto corre a céu aberto ao lado de novos empreendimentos voltados para estrangeiros ricos.
Este ano, US$ 63 milhões do orçamento foram reservados para a construção de seis hospitais. O governo também prometeu gastar com habitação e agricultura, para reduzir em 25% a importação de comida até 2025. Mas, apesar dos investimentos, o dinheiro que entra ainda está muito abaixo do que a Guiana lucra com o petróleo.
A estimativa deste ano é obter US$ 1,63 bilhão em exportações e royalties, mas grande parte disso vai para um fundo, criado em 2019, para garantir que a receita não seja desperdiçada. "A Venezuela tem muito petróleo, mas está pobre porque gastou muito e agora quer roubar nossa terra", disse Owen. "Mas não sei se o petróleo vai colocar a Guiana em outro patamar. Daqui a dez anos talvez eu tenha uma resposta."