A Procuradoria Geral da República (PGR) voltou a pedir ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito dos atos antidemocráticos no Supremo Tribunal Federal (STF), que arquive a investigação em relação a parlamentares bolsonaristas.
A manifestação foi enviada após o ministro determinar que a PGR esclarecesse, de maneira direta e específica , o alcance do primeiro pedido de arquivamento.
O vice-procurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros sugeriu o envio de parte das apurações para a primeira instância, por considerar não haver indícios claros de envolvimento de pessoas com foro nos crimes investigados. Segundo ele, o inquérito não pode servir para se investirem esperanças ou se promoverem aventuras especulativas .
"A decisão de promover o arquivamento de parte do inquérito ampara-se na certeza de que não se pode prolongar investigações sabidamente infrutíferas, apenas por motivações como a de que, talvez, em algum momento indefinido no tempo possam vir a surgir indícios contra os investigados, ou, ainda, como forma de se evitar que esses mesmos agentes voltem a delinquir", escreveu. "Longe de ignorar os acontecimentos, cuida-se aqui de conferir a cada um deles, bem como aos respectivos envolvidos, o tratamento adequado e proporcional."
O documento também escancara a insatisfação com o trabalho da Polícia Federal. O vice-procurador diz que as linhas de investigação originalmente traçadas pela PGR foram reformuladas e lista uma série de lacunas que, na avaliação dele, impedem a continuidade do inquérito.
"A liberdade máxima garantida às autoridades policiais para esta investigação não levou, entretanto, à construção de um mosaico com as peças obtidas, e nem mesmo à obtenção das peças buscadas. O tempo, por seu lado, fez com que caminhos que poderiam ser trilhados se desfizessem, e a chance de obtenção de provas aptas diminuísse drasticamente. O projeto de investigar a existência, ou não, de um grupamento criminoso que concatenou manifestações de massa para incitar os militares não frutificou", disse.
Uma das principais divergências tem relação com o ponto de partida das investigações. Na primeira fase do inquérito, a Polícia Federal priorizou o interrogatório dos investigados, incluindo deputados federais, assessores do Planalto e blogueiros. Já na ocasião, os delegados trabalhavam com a hipótese de que parlamentares, empresários e donos de sites bolsonaristas atuassem em conjunto em um negócio lucrativo de divulgação de manifestações contra a democracia. O vice-procurador considera que a PF deveria ter começado a investigação por pequenas lideranças para seguir o caminho do dinheiro.
"Para que fosse possível confirmar a hipótese, a investigação deveria partir das pequenas lideranças e organizadores visíveis, trilhar o fluxo dos recursos financeiros e comunicações e ascender até a confirmação de um núcleo duro que teria atiçado populares, aparentemente de forma deliberada, a provocar explicitamente as Forças Armadas", defendeu Medeiros.
O vice-procurador também criticou uma das frentes de investigação que atingiu diretamente o presidente Jair Bolsonaro. A PF descobriu que a página Bolsonaro News, usada para atacar adversários do presidente e derrubada pelo Facebook em junho do ano passado, foi operada de dentro do Palácio do Planalto, sede oficial do governo, e da casa da família Bolsonaro na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. A conta era alimentada por Tércio Arnaud Thomaz, assessor do presidente apontado como integrante do chamado gabinete do ódio. Para Medeiros, o achado não tem relação com os atos antidemocráticos que motivaram a abertura do inquérito.
O mesmo argumento, de falta de conexão com o objeto da investigação, foi usado pelo vice-procurador para justificar a oposição da PGR ao aprofundamento da investigação sobre possível direcionamento de verbas de publicidade do governo para financiar páginas na internet dedicadas a promover manifestações contra a democracia através da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência (Secom).
"A pretensão visava tão somente sondar se agentes públicos e sócios-administradores de agências de publicidade estavam envolvidos em supostas irregularidades que não guardavam, em princípio, qualquer correlação com a organização ou o financiamento dos atos de 19 de abril e 3 de maio de 2020", escreveu o vice-procurador.