A vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo defendeu que o Supremo Tribunal Federal arquive um pedido de investigação sobre a conduta do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres em motociata realizada em Orlando, nos Estados Unidos, com participação do blogueiro Allan dos Santos, que está foragido da Justiça brasileira.
Na avaliação de Lindôra, braço-direito de Augusto Aras, o fato de o bolsonarista – contra quem pesa pedido de extradição – ter participado do evento político que contou com a presença de Bolsonaro e Torres não permite deduzir que estes tenham retardado ou omitido indevidamente ato de ofício para fins de satisfação de interesse ou sentimento pessoal .
"Enquanto pendente a tramitação e conclusão do processo de extradição ativa, não é plausível sustentar a existência de um dever de ofício do Presidente da República e do Ministro da Justiça de procederam, no específico aludido evento político em Orlando, a qualquer tipo de comunicação às autoridades americanas sobre o paradeiro de Allan Lopes dos Santos para as providências cabíveis", registra o documento enviado ao STF na tarde desta terça-feira, 12.
A vice-PGR argumenta que não há substrato indiciário mínimo de omissão ou retardamento indevido no cumprimento da ordem de prisão e do pedido de extradição de Allan dos Santos que possa ser atribuído ao Presidente da República e ao Ministro da Justiça e Segurança Pública. Segundo Lindôra, a execução da prisão e a consequente extradição cabem às autoridades dos EUA, após receber pedido de cooperação jurídica internacional e sua respectiva tramitação procedimental.
"Sem a conduta nuclear do tipo penal (omissão, retardamento indevido e atuação contra disposição legal expressa), não se configura crime de prevaricação a participação do Chefe do Poder Executivo e de Ministro de Estado em evento político fora das fronteiras nacionais que contou, entre os diversos participantes, com a presença de pessoa foragida da justiça", alegou.
A manifestação foi dada no âmbito de uma notícia-crime impetrada na corte máxima pelo deputado Alencar Braga (PT/SP), que alega que o chefe do Executivo e o ministro da Justiça tinham o dever de informar as autoridades a presença do blogueiro foragido . "A inércia dessas autoridades contraria a Constituição Federal e o ordenamento jurídico brasileiro, mostrando o descaso com a lei e com as instituições do país", sustenta o parlamentar.
No dia 15 de junho, a ministra Cármen Lúcia mandou o pedido para a Procuradoria-Geral da República, um procedimento de praxe, uma vez que o órgão é o chamado titular da ação penal . Cabe à PGR analisar o caso e eventualmente pedir a abertura de uma investigação formal sobre o assunto.
O parecer de Lindôra está em linha com o que foi defendido pela Advocacia-Geral da União em documento apresentado à corte máxima no dia 29 de junho. Em defesa de Bolsonaro e de Torres, o órgão sustentou que há órgãos de polícia sediados e com atuação nos EUA, e que estes seriam responsáveis para o atendimento de decisões emitidas pela Justiça brasileira, através de mecanismos de cooperação jurídica criminal.
"Ante a manifesta atipicidade da conduta, a ausência de materialidade ou de dolo específico, falece justa causa para ação penal ou para o desdobramento de quaisquer medidas investigativas, a autorizar desde logo, seja arquivado o procedimento", registrou o documento assinado pelo Advogado-Geral da União, Bruno Bianco Leal.
Com mandado de prisão preventiva contra si em aberto, Allan dos Santos não só participou da motociata de Bolsonaro em Orlando, mas também transmitiu na íntegra, a participação do chefe do Executivo na Igreja da Lagoinha, na qual o presidente fez um discurso de cunho eleitoral, lembrou sua aliança com ex-presidente americano Donald Trump. "É muito bom estar entre aqueles que têm Deus no coração", disse o presidente. O blogueiro estava na plateia.
"O Xandão não queria que eu participasse de motociata no Brasil. Aí o que que Deus faz? Traz a motociata pra cá", disse durante a motociada em uma transmissão nas redes sociais marcada por ataques ao ministro. O blogueiro acompanhou todo o trajeto na garupa de uma motocicleta, próximo a Bolsonaro.
A prisão preventiva de Allan dos Santos foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, a pedido da Polícia Federal no âmbito do inquérito das milícias digitais. Ao solicitar a medida cautelar contra o blogueiro, a delegada Denisse Rosas Ribeiro afirmou que Santos integra organização criminosa voltada à prática dos crimes de ameaça, incitação à prática de crimes, calúnia, difamação, injúria e outros, com o objetivo de auferir vantagem econômica oriunda da monetização e de doações e tendo como consequência a desestabilização do Estado Democrático de Direito".