Variedades

Pianista Gabriela Montero fala sobre concertos em São Paulo

GABRIELA MONTERO, PIANISTA E COMPOSITORA

Na entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, a pianista Gabriela Montero, que toca desta quinta, 28, a sábado, 30, com a Osesp, define sua personalidade musical como “instintiva” e comenta a situação política de seu país – e o papel que a música tem desempenhado.

Você vai interpretar o Concerto de Grieg. Como se aproxima da peça?

Eu toco este concerto desde que tenho 10 anos de idade. Como com qualquer peça, tento entrar no mundo do compositor, seu mundo emocional, o que o levou a compor e a maneira como resolveu contar determinada história. Acho que o Concerto de Grieg é uma obra subestimada. Tem uma beleza dramática incrível, uma tristeza profunda. Traz as cores do país do compositor (Noruega), esse calor nórdico que é tão diferente do latino, mas ainda assim forte, como se houvesse a todo instante uma ameaça de tempestade como pano de fundo. É um dos concertos mais bonitos.

Além de intérprete, você é compositora e se dedica também ao trabalho de improvisação. Isso interfere no modo como você vê uma obra como essa?

Acho que sim. Quanto mais você sabe sobre algo, maior a capacidade de revelar seus segredos. Minha forma de aproximação da música é instintiva, é uma linguagem, uma conversa, um diálogo no qual está se falando sempre da condição humana. Quando toco esse repertório, entendo melhor por que ele foi composto, de certa forma. Como compositor, você sabe o que quer dizer. E torce para que o intérprete e o público entendam.

A diversidade de repertório foi uma opção deliberada, assim como o gosto pelo improviso, ou seja, por uma relação diferente com o instrumento?

Algo assim seria intelectual demais para mim (risos). Eu tinha um ano e meio quando comecei a mexer com o piano. A música sempre fez parte de minha natureza. Não venho de uma família musical, mas nasci assim. E tudo o que aconteceu desde essa época aconteceu porque é parte da minha natureza. Tocar, compor, improvisar, é assim que me relaciono com a música, é como o meu cérebro funciona.

Você sente que o mercado da música entende essa proposta?

É engraçado. Vivemos no século 21, mas o que faço é algo que esteve vivo nos séculos 16, 17, 18 e 19. No fundo, eu sou a antiquada nessa história (risos). É incrível que me vejam como uma artista tão diferente. Essa multiplicidade era a definição do artista do século 19. Estou presa na época errada. O problema é que o mercado e os puristas precisam colocar você em uma caixa específica, e eu tenho que ser colocada em três. Mas, no final, o que importa é se você fala com as pessoas por meio de sua arte.

Sua primeira obra, Ex-Patria, trata da situação política da Venezuela. Quando você decidiu que precisaria tratar desse assunto em seu trabalho como artista?

Eu escrevi a peça porque queria falar desse tema. Ela é um cavalo de Troia que carrega a mensagem da Venezuela. Comecei a falar publicamente sobre isso em 2010 e, em 2011, pensei: minha primeira peça precisa ser sobre isso. As pessoas nem sempre reagem com empatia a uma história política, mas reagem às histórias humanas. E a música é um veículo para isso. Decidi investir meu tempo, dinheiro, e passei a correr riscos ao fazer uma afirmação política e musical como essa. Eu estava pensando nas 19.336 vítimas de assassinatos na Venezuela em 2011, quando escrevi. Esta é uma peça viva hoje porque ela precisa estar e as pessoas precisam ouvi-la. Ela te sufoca, te destrói, te faz sentir o que a Venezuela sente. Espero que um dia ela seja apenas uma memória ruim. No entanto, a situação só tem piorado, desde essa época. É uma crise humanitária catastrófica. Não estou falando de política, mas de vida humana. Caracas é a capital mais perigosa do mundo, com 28 mil assassinatos todos os anos. A Venezuela é hoje um país devastado economicamente, moralmente a vida não vale nada.

Você tem uma posição crítica quanto ao Sistema. O que lhe incomoda? O método ou a relação do projeto com o contexto político que o cerca?

O problema é que o Sistema e seus líderes se venderam ao chavismo em troca de financiamento, em troca de dinheiro. O projeto existe há décadas e sempre foi patrocinado pelos governos. Mas nunca havia exercido uma função de propaganda. A diferença é que antes tínhamos governos, bons ou ruins, agora temos uma ditadura. E ela comprou o Sistema de forma inteligente, de forma que não pode mais funcionar de maneira independente. É importante levar a música às crianças, eu acredito muito nisso. O que é assustador e irresponsável é fazer a propaganda de um regime que devastou um país, o nosso país, em troca de dinheiro. Há um momento em que você deve se perguntar: qual o preço real que se paga pelo silêncio? E, ao fazer isso, de que lado você se coloca moralmente? Há muitas crianças, pais e professores maravilhosos no Sistema, mas há um lado apodrecido. E para o bem das pessoas boas tem que haver uma reavaliação sobre o que acontece lá dentro e uma crítica clara e aberta ao fato de ele ter se tornado uma ferramenta de propaganda.

O que está apodrecido?

A política se misturou ao dia a dia do projeto. Recebo sempre mensagens de membros do Sistema me relatando injustiças. Eu nunca pedi para estar nesse papel de porta-voz dessas pessoas. Seria mais fácil eu apenas tocar concertos, receber meus aplausos, sem ter que falar de morte, de corrupção, de injustiças. Mas não posso virar as costas.

O maestro Gustavo Dudamel afirma que o Sistema não é um projeto político e que a arte não deve se misturar com essas questões.

Dudamel pode dizer quanto quiser que não é uma pessoa política ou que o projeto não é político. Mas uma coisa é o que você diz e outra, o que você faz. Se você rege a orquestra duas vezes nas Nações Unidas na presença de Hugo Chávez, apresentado por Delcy Rodríguez, ministra das Relações Exteriores e uma das figuras mais macabras do regime, como símbolo dos valores do governo, você fez política.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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