A pandemia de covid-19 levou a um tombo histórico no Produto Interno Bruto (PIB, o valor de tudo o que é produzido na economia) do segundo trimestre, como ocorreu em praticamente todos os países. A retração, de 9,7% ante os três primeiros meses do ano, já coloca o País na pior recessão da história. Mas os dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforçaram um movimento, iniciado há algumas semanas, de melhora nas expectativas para o ano como um todo. O vigor maior que o esperado em algumas atividades com a reabertura da economia e a extensão do auxílio emergencial até dezembro é apontado como fator positivo.
Ainda assim, a expectativa é de que 2020 termine também com retração inédita. O tombo de 9,7% se segue à retração de 2,5% no primeiro trimestre, acumulando uma perda de 11,9% na atual recessão, nas contas de Juliana Trece, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). A queda supera com folga a, agora, segunda maior recessão já identificada pelo Codace, comitê independente da FGV que se debruça sobre o tema, entre 1981 e 1983 – quando o PIB amargou retração acumulada de 8,5% em meio à crise das dívidas externas da América Latina.
Eduardo Zilbermann, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, explicou que a queda do PIB no segundo trimestre foi inédita porque "nunca antes se propôs uma política que fosse desligar a economia", numa referência às regras de restrição ao contato entre as pessoas, como forma de estancar o avanço da covid-19. Com lojas impedidas de receber clientes e fábricas sem poder aglomerar trabalhadores, vendas e produção foram para perto de zero, numa redução muito mais drástica do que as causadas por crises econômicas "normais".
Embora o PIB não traga dados mensais, pesquisas conjunturais já vinham apontando que o "fundo do poço" havia ficado em abril, com o início da recuperação em maio e junho. O quadro só não foi pior por causa das medidas do governo para mitigar a crise, com destaque para o auxílio emergencial de R$ 600 por mês pago aos mais pobres e aos trabalhadores informais e desempregados, fator mais citado por economistas para sustentar um segundo semestre melhor do que se esperava quando a crise começou.
Cenário. O anúncio da manutenção do auxílio emergencial até dezembro, ainda que reduzido para R$ 300 por mês, reforçou a ideia (mais informações na pág. B5). Após a divulgação dos dados ontem, economistas do mercado passaram a estimar uma queda de 5,15% no PIB de 2020, ante 5,35% na semana passada, já considerando uma alta de 6% no terceiro trimestre frente ao segundo, conforme pesquisa do <b>Projeções Broadcast</b>.
O banco de investimentos americano JPMorgan revisou sua projeção para 2020 para 5,2%, ante 6,2% anteriormente, principalmente porque os economistas da instituição esperavam um desempenho ainda pior do que a queda de 9,7% no segundo trimestre. "Também incorporamos que o governo vai estender o auxílio emergencial até o fim do ano no valor de R$ 300. Essa medida deve continuar ajudando o lado do consumo, principalmente das famílias", afirmou a economista-chefe do JPMorgan no Brasil, Cassiana Fernandez, alertando que nas análises do banco a economia poderá voltar a se retrair no início de 2021.
Já o economista-chefe para o Brasil do banco francês BNP Paribas, Gustavo Arruda, espera um forte impacto da manutenção do apoio do governo às pessoas mais pobres, mas alertou que não se deve "exagerar a tendência". Para ele, a redução dos benefícios assistenciais pode provocar forte desaceleração da retomada no fim deste ano e, principalmente, início de 2021.
"Os números do segundo trimestre não foram tão bons quanto a gente tinha, porém foram melhores do que o esperado no início da crise. Acho que o terceiro trimestre deve ser forte, mas a questão não é exagerar a tendência", afirmou Arruda.
O economista-chefe da Parallaxis, Rafael Leão, elevou sua estimativa para o PIB do terceiro trimestre, de crescimento de 2% para alta de 4,8%. "É um desempenho forte puxado pelos estímulos fiscais combinados ao fim das medidas de distanciamento social."
Para Zilbermann, da PUC-Rio, a economia brasileira está numa "encruzilhada". Por um lado, no momento mais imediato, as medidas emergenciais impulsionam a economia e podem ajudar na recuperação nos próximos meses. Por outro lado, os gastos públicos associados às medidas ameaçam o equilíbrio fiscal nos próximos anos.
Desequilíbrios poderão elevar o risco país, a cotação do dólar e afastar investidores, o que tiraria ímpeto da recuperação da economia. A saída, segundo o professor, seria o governo sinalizar claramente que a elevação de gastos é temporária, tem data para terminar, e que o equilíbrio das contas voltará no médio prazo. (Colaboraram Thaís Barcellos e Aline Bronzati)
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>