O presidente Sebastián Piñera sofreu nesta terça-feira, 9, mais uma derrota no Chile com a aprovação, na Câmara dos Deputados, de um processo de impeachment. Agora, ele tenta usar o que lhe resta de capital político para barrar o julgamento no Senado. Após um debate de mais de 20 horas, o pedido foi adiante com 78 votos a favor, 67 contra e 3 abstenções.
Piñera é acusado de ligação com a venda da mineradora Dominga, nas Ilhas Virgens, um paraíso fiscal, revelada no escândalo Pandora Papers. Com a aprovação do julgamento pelos deputados, o presidente é o primeiro a ser submetido ao processo de destituição nos 31 anos de redemocratização no Chile.
Analistas acreditam que o impeachment não tenha os 29 votos necessários para passar pelo Senado – a oposição tem apenas 24 senadores. Mesmo assim, o impacto político para Piñera e para os partidos conservadores deve ser considerável. No cenário eleitoral, o candidato da coalizão governista aparece muito atrás nas pesquisas. A esquerda e a centro-esquerda estão divididas entre três candidatos, sendo que o melhor colocado é Gabriel Boric, com cerca de 30% das intenções de voto.
Para o cientista político Fernando García Naddaf, o impeachment vem sendo usado como pressão política tanto pelo governo, que "afirma se tratar de um processo para enfraquecer as instituições", quanto pela oposição, "que tenta grudar em Piñera a imagem de corrupção". Mas deve ter pouco impacto nas eleições presidenciais, marcadas para o próximo dia 21.
<b>VANTAGENS</b>
Para o advogado e diretor da Fundação Pacto Social, Alejandro Fernández, ex-candidato à Constituinte, é preciso avaliar antes o que pede a população chilena. "Querem ordem e estabilidade e esse tipo de ação mostra uma esquerda incapaz de assegurar governabilidade. Nesse contexto, a candidatura do conservador José Antonio Kast pode ser beneficiada."
Segundo psicólogos e analistas que escreveram sobre Piñera, o presidente tinha o desejo de entrar para a história como o melhor presidente do Chile de todos os tempos. A decisão histórica da Câmara, no entanto, praticamente enterra essa possibilidade.
Agora, o presidente – na reta final de seu segundo mandato, iniciado em março de 2018 – está proibido de sair do país, apesar de poder continuar exercendo suas funções até que a acusação seja enviada ao Senado.
Piñera, um rico empresário de 71 anos, foi o primeiro presidente de direita (2010-2014) após 20 anos de governos de esquerda desde a redemocratização no Chile. Atualmente, ele tem a rejeição de 79% dos chilenos, segundo pesquisas mais recentes.
A acusação constitucional, como é conhecido no Chile o recurso que busca a destituição do presidente, foi apresentada na primeira semana de outubro pela oposição. O debate na Câmara começou na manhã de segunda-feira, 8, com o deputado socialista Jaime Naranjo pedindo o fim da impunidade no Chile.
Para Fernández, o processo "foi precipitado" e havia outras ferramentas para contornar as acusações. "Poderia ter sido formada uma CPI e, uma vez finalizada, poderiam ter decidido se era pertinente apresentar uma acusação constitucional".
A publicação dos Pandora Papers aumentou a pressão sobre Piñera, um dos homens mais ricos do Chile, que insiste em sua inocência e garante que abandonou a administração das empresas em 2009, antes de assumir o primeiro mandato como presidente, o que significa que ele não teve participação na venda da mineradora Dominga.
De acordo com uma investigação dos meios de comunicação chilenos Ciper e LaBot, que integram as reportagens sobre os Pandora Papers, do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), a mineradora Dominga foi vendida ao empresário Carlos Alberto Délano, amigo íntimo de Piñera, por US$ 152 milhões em um negócio efetuado em parte nas Ilhas Virgens Britânicas.
<b>ACORDO</b>
O pagamento da operação deveria ser feito em três cotas e continha uma cláusula suspeita que condicionava o último pagamento ao "não estabelecimento de uma área de proteção ambiental sobre a área de operações da mineradora, como desejavam grupos ambientalistas". O governo de Piñera, segundo a investigação, acabou por não proteger a área da mina, o que significa que o terceiro pagamento foi efetuado.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>