O treinamento para pilotos de helicópteros pode mudar completamente até o fim do ano. Uma proposta de emenda a um regulamento de aviação, o RBAC 61, em discussão em audiência pública pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), pretende reclassificar 95% dos helicópteros brasileiros e, com isso, diminuir a responsabilidade do Estado na formação dos pilotos e passá-la para as mãos dos próprios profissionais.
Hoje, para um piloto com licença voar em um helicóptero diferente daquele em que está habilitado, ele precisa passar por um treinamento específico em um centro homologado pela Anac – muitos deles estão no exterior, onde o custo do processo pode chegar a US$ 40 mil.
“Helicóptero é diferente de carro. Você tem de ter uma carteira para cada modelo, porque são estilos de pilotagem e filosofia diferentes. É como se houvesse habilitação específica para dirigir Fusca e outra para dirigir Opala”, diz Kerlington Pimentel de Freitas, especialista em segurança de voo e diretor do Centro de Treinamento de Aviação Civil Helipro.
A proposta da Anac considera a regulamentação americana e passa a definir os helicópteros com até 5,6 mil quilos, ou 95% da frota brasileira, como “classe”, o que reduz seu grau de especificidade. Isso significa que, para tirar habilitação em um novo modelo de helicóptero, o piloto não precisará mais passar por um centro.
Basta que um profissional já habilitado naquela aeronave em que se busca a nova habilitação treine o pretendente e assine a documentação, afirmando que ele está qualificado para o voo. Se acontecer um acidente, por exemplo, o piloto que concedeu a habilitação ao colega pode responder como corresponsável e deverá prestar esclarecimentos ao Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes (Cenipa).
“Treinamento é fundamental para segurança dos nossos voos, para a gente poder garantir o maior objetivo de todo piloto, que é voltar para casa. O que a Anac está fazendo é deixando aquela história que todo brasileiro reclama que autoridade tutela o cidadão. Vamos deixar de ter a tutela na questão de treinamento e cada piloto vai fazer o seu. Isso vai causar uma mudança muito importante de paradigma”, diz Ruy Flemming, diretor de Relações Públicas e Institucional da Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero (Abraphe). “Em uma reunião que fizemos, percebi que o entendimento a partir de agora é que quem endossar um piloto (dar a qualificação a ele) vai assumir um grau de responsabilidade enorme”, diz.
Burocracia. A Anac justifica a mudança nos procedimentos como uma forma de tornar o treinamento na aviação geral (aviões de propriedade particular) “menos burocrático e menos dependente da atuação direta da agência para expedição e revalidação de habilitações”. Segundo a Anac, 1.519 helicópteros e 5.716 pilotos (94%) dessas aeronaves devem ser afetados.
“A emenda tem por objetivo criar uma nova opção de treinamento para os pilotos de aeronaves consideradas de menor complexidade. Pelo novo texto, os tripulantes continuarão obrigados a se capacitar em cada modelo que pretenderem voar, mas poderão optar por adquirir esse treinamento em uma entidade de ensino ou realizá-lo sob a supervisão de um outro piloto qualificado”, diz a agência.
A mudança se aplica somente aos pilotos de aeronaves particulares e não interfere no treinamento dos pilotos de táxi aéreo e de companhias aéreas, que continuam sujeitos a regras mais rigorosas.
Segurança. A proposta, no entanto, não agrada a todos. Para o comandante Kerlington, a medida pode trazer riscos à segurança da população. “Para os pilotos, essas mudanças representam uma redução consistente de custo para formação e certificação, mas, do ponto de vista de segurança, podem implicar retrocesso à aviação brasileira”, diz. Os centros de treinamento Helipro, em São Paulo, e Helibras, em Minas, se manifestaram na Anac contra as novas regras em discussão.
Segundo Kerlington, as manobras a serem treinadas são determinadas pelo fabricante do helicóptero e exigem que o piloto simule, por exemplo, uma parada do motor durante o voo e a perda de comandos. Muitas vezes, essas técnicas só são possíveis de reproduzir em um simulador. A partir de agora, um piloto que pode não ter passado por um simulador passará a ensinar outro.
Flemming diz que “não dá para obrigar todos os pilotos a fazerem anualmente suas revalidações e treinamentos em simulador”. O comandante dá o exemplo de um piloto de helicóptero que teve de ir à Malásia renovar sua habilitação em um centro de treinamento porque não havia mais horário de agendamento para outros lugares. “A Abraphe concorda com a mudança, embora tenha bastante gente apostando que não vai dar certo”, afirma.
O Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) também se manifestou a favor da proposta. Tanto Flemming como Kerlington afirmam que vão enviar contribuições à Anac, cujo prazo final para recebê-las é dia 21. Se aprovado, o novo regulamento passará a valer em 30 dias. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.