Os pilotos do grid atual da Fórmula 1 demonstraram incômodo com questionamentos sobre a busca de Felipe Massa pelo reconhecimento do título de 2008. Nesta quinta-feira, às vésperas do GP de São Paulo, no Autódromo de Interlagos, os atletas se esquivaram de perguntas sobre o assunto, considerado polêmico e delicado no paddock da F-1.
No início desta tarde, o <b>Estadão</b> perguntou sobre o tema para cinco pilotos que estavam na entrevista coletiva oficial do GP. Um dos entrevistados era justamente Lewis Hamilton, campeão do Mundial de 2008. Os demais eram o finlandês Valtteri Bottas (Alfa Romeo), o americano Logan Sargeant (Williams), o monegasco Charles Leclerc e o espanhol Carlos Sainz Jr., ambos da Ferrari.
A reportagem perguntou qual era a opinião dos cinco atletas sobre a busca de Massa, prejudicado na temporada 2008 por um acidente intencional do compatriota Nelsinho Piquet, então piloto da Renault, no GP de Cingapura daquele ano.
Diante da questão, os cinco pilotos ficaram em silêncio constrangedor. Carlos Sainz, que defende a mesma Ferrari pela qual Massa corria em 2008, apontou para Hamilton, maior implicado no assunto na coletiva. O inglês da Mercedes se esquivou da pergunta. Os demais foram pelo mesmo caminho.
Mais cedo, o experiente espanhol Fernando Alonso também se esquivou diante do mesmo questionamento, em entrevista coletiva da equipe Aston Martin.
Massa já acionou extrajudicialmente a Fórmula 1 e a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) por um retorno do seu pedido. Ele quer o reconhecimento do título de 2008 e uma indenização que poderia alcançar US$ 150 milhões (quase meio bilhão de reais). As duas entidades tem até o dia 15 para responder a demanda do brasileiro. Dependendo da resposta, Massa poderá acionar a Justiça.
ENTENDA O CASO
A disputa entre Massa e F-1 e FIA remete ao GP de Cingapura de 2008, um dos mais polêmicos da história da F-1. Na ocasião, Massa e Hamilton brigavam ponto a ponto pelo título. O brasileiro entrou naquela etapa apenas um ponto atrás do inglês, na época defendendo a McLaren. E tudo se encaminhava para uma vitória na corrida e uma virada de Massa no campeonato.
No auge de sua trajetória na F-1, o brasileiro, então na Ferrari, havia conquistado a pole position, no sábado. No domingo, liderava a prova até a 14ª de 61 voltas daquele GP. Foi quando Nelsinho Piquet bateu intencionalmente sua Renault, por ordem do polêmico Flavio Briatore, chefe da equipe, para beneficiar Fernando Alonso, seu companheiro de time. O espanhol havia feito pit stop duas voltas antes e estava com o tanque cheio – na época, havia reabastecimento dos carros durante as corridas.
A batida provocou a entrada do safety car na pista, o que mudou totalmente a história da corrida. Alonso, que largara em 15º, herdou e manteve a primeira posição até a bandeirada final. Foi o maior beneficiado pela batida. Massa foi o maior prejudicado porque ainda viu a Ferrari cometer alguns erros nos boxes.
Mesmo após cair para o último lugar da prova, o brasileiro terminou a prova em 13º, sem somar pontos. Hamilton, seu grande rival no campeonato, foi o terceiro. O inglês viu sua vantagem crescer de um para sete pontos na tabela. O campeonato acabou com ele somando apenas um ponto a mais que o brasileiro na classificação geral.
CONFISSÃO DE NELSINHO
No ano seguinte, Nelsinho Piquet entrou em contato com a FIA para admitir que bateu de propósito em Cingapura para beneficiar Alonso. O filho do tricampeão Nelson havia acabado de deixar a Renault, no meio da temporada 2009. E tinha o apoio do pai para fazer a denúncia, que veio a público em agosto daquele ano.
O Conselho Mundial de Automobilismo acolheu a denúncia, julgou o caso e distribuiu punições. Desclassificou a Renault no campeonato e suspendeu os dirigentes envolvidos na polêmica decisão: Flavio Briatore, chefe da equipe, e Pat Symonds, diretor de engenharia. Alonso e Nelsinho foram poupados.
Apenas um ano depois, tanto Briatore quanto Symonds fizeram acordos com a FIA para serem liberados para atuar na F-1. O primeiro vem sendo figura constante nos GPs da atual temporada, até mesmo tirando fotos com a cúpula atual da categoria, enquanto Symonds é o principal responsável pela área técnica da própria F-1.
RETOMADA DA POLÊMICA
O caso voltou aos jornais em março deste ano. Bernie Ecclestone, chefão da F-1 por quase 40 anos, fez revelações bombásticas sobre o caso em entrevista ao site F1-Insider. Questionado sobre os títulos de Hamilton, o inglês afirmara que considerava Michael Schumacher o único heptacampeão da história da F-1 porque Hamilton não seria o campeão moral de 2008, na sua avaliação.
Ecclestone disse que considerava Massa o campeão daquele ano em razão do que acontecera no conturbado GP de Cingapura. O inglês, no entanto, foi além e revelou que ficou sabendo sobre a batida intencional de Nelsinho ainda durante 2008.
Essa informação é o grande fundamento das ações judiciais de Massa. O motivo é que, pelas regras da FIA, um campeonato não pode ter seus resultados alterados após finalizado. Assim, a confissão de Nelsinho, feita somente em 2009, não seria o suficiente para mudar o resultado daquela corrida.
Neste contexto, as declarações de Ecclestone promoviam uma grande reviravolta na discussão. "Max Mosley (então presidente da FIA) e eu fomos informados durante a temporada sobre o que havia acontecido na corrida de Cingapura. Nelsinho Piquet havia confessado ao pai, Nelson, sobre a ordem da equipe de acionar o safety car para ajudar Alonso a vencer. Implorei ao Nelson para manter a história em segredo", afirmou Ecclestone, que é próximo do pai de Nelsinho – o inglês foi chefe de Piquet em sua época de piloto.
"Decidimos não fazer nada na época. Quisemos proteger a Fórmula 1 e salvá-la de um grande escândalo", declarou Ecclestone, ao tentar justificar a decisão de não tomar nenhuma decisão sobre o caso ainda em 2008. "Tínhamos informação suficiente na época para investigar o caso. De acordo com o regulamento, teríamos que cancelar a corrida de Cingapura naquelas circunstâncias. Isso significa que aquela etapa não estaria contando para o campeonato. E aí Felipe Massa seria o campeão mundial, e não Lewis Hamilton."
O conhecimento dos principais dirigentes da F-1 e da FIA sobre o caso ainda em 2008 também foi atestado pelo documentário "Mosley: É complicado", lançado em 2021. O site Motorsport teve acesso a uma conversa em que Mosley admite estar ciente sobre a batida proposital, em trecho que acabou não entrando na versão final do documentário.