Celas cheias de entulho, encanamentos expostos, fiação deteriorada, ferros retorcidos, paredes quebradas e insalubridade. Foi com essa estrutura comprometida que o governo do Amazonas transferiu, no dia 2, pelo menos 284 detentos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e do Instituto Penitenciário Antônio Trindade (Ipat) para a Cadeia Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, onde aconteceram ao menos quatro mortes deste domingo.
Pelo menos três vezes na semana passada o reforço da Polícia Militar foi chamado às pressas para conter inícios de motins na prisão, no centro de Manaus. Na versão oficial, os presos reclamavam da estrutura, uma vez que a unidade centenária havia sido reaberta às pressas, após ficar fechada por três meses. Os detentos foram mantidos inicialmente na capela e na enfermaria, únicos locais disponíveis, em razão do comprometimento das barras de proteção nas celas maiores.
Mesmo com a força-tarefa montada pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) para fazer pequenas reformas no local, os presos não se acalmaram. Do lado de fora, familiares se aglomeravam durante toda a semana em busca de informações sobre as condições de segurança. O medo diante de novos ataques, ainda que a cadeia tenha passado a ser um reduto quase exclusivo do PCC, foi exposto pelos detentos a representantes do Ministério Público que fizeram visitas ao local. As ameaças poderiam vir de qualquer canto.
Agentes.
Na quarta-feira, o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Amazonas, Antônio Jorge Albuquerque Santiago, já havia alertado para a fragilidade do local. Informações extraoficiais dão conta de que apenas dois agentes penitenciários estão na Vidal Pessoa, auxiliando uma dezena de policiais militares. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) não detalhou números. “Não há no Vidal segurança nenhuma para agentes nem para os presos. É risco de morte, de rebelião, de outra facção tentar resgate.”
Na tarde do mesmo dia, equipes da PM abordaram dois jovens que circulavam no entorno da cadeia, na Avenida 7 de Setembro, e na mochila de um deles encontrou uma faca. A dupla esperava uma brecha na vigilância para jogar a arma branca para dentro da unidade, mas foi presa antes. A reativação, segundo sustentam membros do governo, como o secretário de segurança, Sérgio Fontes, foi a única alternativa para segregar os presidiários das duas facções visando a protegê-los. O sistema prisional do Estado tem 19 unidades – 11 na capital e oito no interior.
Centenária.
A Vidal Pessoa começou a ser construída em 1904 e foi inaugurada, com o nome de Casa de Detenção de Manaus, em 1907. A unidade foi até 1999 a maior cadeia do Estado, ano em que foi inaugurada a ala de regime fechado do Compaj, e então passou a abrigar apenas presos provisórios. O cenário de violência na capital amazonense e a repressão mais forte a traficantes de drogas levaram rapidamente o local a ultrapassar a sua capacidade de 300 internos, chegando a abrigar mais de 1,5 mil.
A situação de precariedade diante da superlotação e falta de estrutura detectada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em inspeções feitas em 2010 e 2013, levaram à recomendação de fechamento, sob risco de denúncia a cortes internacionais, dada a “violação frontal aos direitos humanos”, como sustentou em visita o conselheiro da entidade Guilherme Calmon.
Em 11 de outubro de 2016, os últimos 167 presos da cadeia foram transferidos para outras unidades. No dia anterior, 15 haviam escapado pulando o muro. A promessa era que a estrutura seria entregue à Secretaria de Cultura. Os planos tiveram de ser revistos. Agora, a administração penitenciária pretende usar o local por ao menos três meses, prazo em que será finalizada uma nova unidade na cidade. O Ministério Público amazonense teme que a estrutura seja novamente incorporada à gestão prisional e já pediu que o governo apresente plano de desocupação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.