Médico da disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina do ABC, Dr. Sidney Zanasi acaba de apresentar dissertação de mestrado "Estudo clínico e epidemiológico dos óbitos por queimaduras", na qual identifica como principal causa de morte a pneumonia. Para desenvolver a pesquisa, o médico trabalhou por 2 anos no Hospital Geral de São Mateus, na Zona Lesta paulistana, onde funciona um dos centros estaduais de queimados. Foram analisados 10 anos de prontuários de pacientes que passaram pelo local e faleceram em decorrência das queimaduras.
O estudo retrospectivo buscou entender quais as principais consequências a partir da entrada do paciente, ou seja, os fatores que ocasionaram a morte pós-queimadura. Entre os resultados, a pneumonia foi a grande vilã. "É a complicação clínica mais comum do queimado. O pulmão é um dos órgãos mais comprometidos e foi grande a influência na determinação das mortes estudadas", explica Dr. Sidney Zanasi, que considera: "Em contrapartida, os que sobreviveram por mais tempo foram aqueles com infecção generalizada (sepse). Esse é o grande achado do trabalho, pois até então se pensava o contrário".
A explicação é que nas primeiras 24 horas do atendimento ao queimado, o risco de morte é bastante acentuado. É a chamada fase aguda, em que há desidratação e consequente quadro de insuficiência renal. Após 3 a 5 dias começam a fase tardia com as complicações infecciosas. O primeiro órgão afetado é o pulmão. "A partir do trabalho, fica evidente a atenção especial que a equipe de atendimento deve ter em relação às infecções pulmonares. Além disso, também ficaram claras outras duas situações em que se deve ligar o sinal de alerta, pois a sobrevida é menor. A primeira é na lesão inalatória, ou seja, quando o paciente se queima em ambiente fechado e inala fumaça tóxica. A outra condição é quando há trauma associado, como em acidentes automobilísticos em que há queimadura e trauma no tórax, por exemplo".
Vale ressaltar que os grandes queimados são pacientes graves, de alta complexidade, que geralmente apresentam sequelas físicas, psíquicas e emocionais. "Além das cicatrizes, esses pacientes com frequência sofrem com longos períodos de internação e distância das famílias, com olhares diferentes e muitas vezes preconceituosos, além da própria dor durante a recuperação", detalha Dr. Sidney Zanasi.
Importância regional: Os resultados do trabalho compõem a dissertação de mestrado de Dr. Sidney, aprovada em 15 de agosto último no curso de Mestrado em Ciências da Saúde da FMABC. O docente analisou 76 pacientes e os resultados indicam que idade, sexo e superfície corpórea, entre outros, não exerceram influência nas taxas de sobrevida. Além disso, os índices de mortalidade observados no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Geral de São Mateus foram bem próximos aos dos demais centros do país e do exterior, cerca de 5%. "É importante frisar que o trabalho epidemiológico mapeia o perfil de determinada população. Os resultados traçam realidade da Zona Leste paulistana e não correspondem necessariamente à de outras regiões da Capital e do Estado, que possivelmente têm condições e demandas diferentes. Por essa razão são necessários outros estudos regionalizados, a fim de identificar particularidades e, dessa forma, oferecer atendimento customizado", testemunha Dr. Sidney Zanasi.
No Grande ABC, por exemplo, não há centro especializado em queimados. Os casos são encaminhados para hospitais-referência da Capital. "A região precisaria de estrutura própria. Temos muitas indústrias e os acidentes de trabalho são rotineiros, com vários casos de queimaduras na indústria automobilística ou de queimaduras químicas", garante o professor da Medicina ABC.
A instalação de um centro de queimados requer grande investimento. O local deve funcionar em estrutura isolada das demais áreas do hospital. Dessa forma, necessita de centro cirúrgico próprio, áreas de UTI e internação, além de equipes de enfermagem com treinamento diferenciado para os curativos, que são trocados a cada 24 ou 48 horas.
As queimaduras podem ter como causa, principalmente, agentes elétricos, químicos (soda cáustica, por exemplo), fogo, escaldo (líquidos quentes) e contato (superfície quente). Podem ser classificadas pela profundidade de destruição da pele. Na queimadura de primeiro grau há vermelhidão e ardor, como ao ir à praia e não passar protetor solar. Na de segundo grau, além da dor há presença de bolhas. Já a queimadura de terceiro acomete a epiderme e todas as camadas da derme, comprometendo também terminações nervosas, folículo piloso e glândulas sebáceas. "Nas queimaduras de primeiro e segundo grau a regeneração geralmente ocorre de maneira natural. No terceiro grau isso não é possível, pois há comprometimento das células chamadas totipotentes, principalmente glândulas sebáceas e folículos pilosos", explica Sidney Zanasi.
Entre as principais opções terapêuticas disponíveis estão o enxerto de pele do próprio paciente (enxerto autólogo) e curativos com pele de porco ou de rã (enxerto heterólogo), que diminuem as chances de contaminação. "Infelizmente os curativos utilizados nos hospitais públicos geralmente são ultrapassados, devido ao alto custo de curativos importados mais modernos", lamenta o professor da FMABC.
Prevenção precária e exemplo internacional
Para o autor do estudo, o Brasil carece de políticas públicas para prevenção de acidentes com queimaduras. Apesar de em 2009 ter sido instituído o Dia Nacional de Luta Contra Queimaduras, em 6 de junho, o país não promove praticamente nenhuma ação efetiva destinada à prevenção. Nesse sentido, Dr. Sidney Zanasi lamenta que o decreto proibitivo à venda de álcool líquido tenha sido derrubado. "Países desenvolvidos dificultam o acesso ao álcool líquido, mas o Brasil não. O álcool gel não permite que haja combustão, o que reduz drasticamente as possibilidades de queimaduras. A Sociedade Brasileira de Queimaduras trabalha campanhas nesse sentido e esperamos que o governo retorne na decisão e volte a proibir a venda do álcool líquido".
Segundo o professor da FMABC, nos Estados Unidos há muito mais cautela em relação ao tema e a população é melhor instruída no intuito de prevenir acidentes. "Algumas medidas muito simples podem evitar grandes acidentes, inclusive letais. Na cozinha, por exemplo, há nos EUA uma estrutura em acrílico que impede o acesso de crianças pequenas às chamas do fogão ou panelas quentes. Também existem travas para abertura do forno e para o acendedor do fogão. São ideias simples, baratas e que somadas à orientação trazem ganho enorme à sociedade na prevenção das queimaduras", garante Dr. Sidney Zanasi.
Toda essa cautela tem explicação. Em geral, cerca de 70% dos acidentes com queimaduras ocorrem com crianças de zero a 5 anos dentro do próprio domicílio. Quase 90% desses casos são na cozinha e o maior agente causador de queimaduras são líquidos quentes.