Durante uma aula de literatura brasileira, o então estudante Vitor Rocha encantou-se com um poema de Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), um dos principais representantes do movimento do Simbolismo no País. Eram precisamente os versos de Ismália, sobre a moça que se permite sonhar com o encontro da matéria com o espírito, uma das principais características daquela escola literária. Sem nunca se esquecer do poema, Rocha conseguiu usá-lo como inspiração para Se Essa Lua Fosse Minha, musical de sua autoria que estreia nesta terça-feira, 7, no Teatro do Núcleo Experimental, em São Paulo.
Trata-se da história do amor impossível entre Leila e Iago, jovens que vivem, cada um, em um lado de uma terra, separados por uma fronteira. “Há um pouquinho do universo de Shakespeare na verdade, de Romeu e Julieta a Sonho de Uma Noite de Verão”, conta Rocha que, no ano passado, figurou em várias listas como a grande revelação da temporada, graças a seu espetáculo Cargas DÁgua – Um Musical de Bolso.
Se Essa Lua… segue na mesma linha, ou seja, ele utiliza a prosódia mineira para tratar de um assunto universal. “O que mais me encanta no poema Ismália é a forma sutil e bela como Alphonsus consegue contar uma história tão triste. Isso me tocou e inspirou muito, por isso o musical narra uma tragédia por meio de cantigas de roda, brincadeiras e outros elementos tão simples e ingênuos do nosso folclore.”
Segundo ele, o roteiro, desde o título até os menores detalhes, faz referência às cantigas, parlendas e provérbios. A cada cena se cruzam inúmeras brincadeiras com o folclore e a cultura popular, algumas delas de forma evidente, enquanto outras estão mais escondidas. E, uma vez mais, Rocha trabalhou em parceria com Elton Towersey, com quem divide a criação das letras e músicas – ele também responde pela direção musical.
“Para esse espetáculo, pedi ao Elton muitas referências sonoras e ele atendeu a todas”, conta Rocha. “Apesar de essa história não ser regional, a sonoridade consegue brincar com uma variedade de ritmos brasileiros.” Em cena, Towersey estará no piano, ao lado de um percussionista com vários instrumentos. E os atores também vão trazer sonoridades diferentes.
Como a trama acompanha difícil convivência entre dois povos em uma única terra, Vitor Rocha aproveita para tocar em temas delicados, como o preconceito. “Talvez esse seja o mais latente”, conta. “Estamos vivendo tempos assombrosos nesse aspecto, o diálogo tem simplesmente deixado de acontecer, ninguém mais quer se dar ao trabalho de ouvir ou debater suas ideias ou opiniões. Pensando assim, acredito que uma boa função para a arte hoje seja criar alegorias como, por exemplo, o uso de cantigas infantis, para tentar promover a conversa e ampliar os pontos de vista. É quase como se nós, artistas, estivéssemos vivendo em tempos de censura outra vez, mas, agora, quem mais nos proíbe de falar são os próprios ouvidos fechados pelo zumbido de um preconceito.”
A peça acompanha a trajetória de um povo que, saído de Terrarrosa, uma província da Espanha, navega pelo oceano até chegar na terra de Porto Leste, ilha situada no encontro das águas quentes e com as frias. O problema é que já existe um povo morando lá. Aos poucos, a convivência revela-se conflituosa graças à diferença de crenças e culturas entre as duas civilizações.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.