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Poeta e músico sem medo da melancolia, Leonard Cohen não se prendia a rótulos

“Seu talento ou sua genialidade é a conexão dele com uma música de outra dimensão”, disse Bob Dylan sobre Leonard Cohen, em um artigo publicado pela The New Yorker, há pouco menos de um mês. Poucos foram capazes de explicar a obra do músico, poeta e escritor canadense com tanta concisão quanto o ganhador do Nobel de Literatura neste ano. Vinte cinco dias depois, surge um erro pequeno. E doloroso. A sentença deve ser escrita no pretérito.

Leonard Cohen morreu aos 82 anos. Até mesmo a sua partida foi distante do pop e furdunço macabro e extenuante desencadeado após a morte de alguma celebridade. A notícia só se espalhou na noite de quinta, 10, quando a gravadora Sony Music canadense publicou um comunicado no Facebook. Quando o mundo soube que o dono da voz soturna, dos versos cavernosos e escuros que menos de um mês antes havia lançado um ótimo disco, You Want It Darker, Cohen já estava enterrado em Montreal, no Canadá, após uma cerimônia discreta e limitada a amigos e familiares. A causa da morte não foi informada. “Meu pai morreu em paz”, contou o filho dele, Adam, em um comunicado.

Cohen estava longe de ser uma celebridade. Era um artista, contudo, na essência. Cujo corpo funciona como a ferramenta para transformar aqueles impulsos “de outras dimensões”, como bem disse Dylan, para o papel, em seus poemas e livros, ou em forma de canções.
Ao mesmo artigo da The New Yorker, Cohen se mostrava tranquilo com a proximidade da morte. Aos 82 anos, ele se dizia preparado para a chegada do fim – e deixava as pistas naquele que agora é seu disco derradeiro. Dias depois, desmentiu a si mesmo. “Estava exagerando. Sempre tive apreço pela auto-dramatização. Minha intenção é viver para sempre”, disse. “Ficarei aqui por muito tempo.”

A reação à morte, contudo, foi rápida. “A música de nenhum outro artista foi sentida ou soou como aquela de Leonard Cohen”, apressou-se a escrever no Twitter o primeiro ministro canadense Justin Trudeau. O músico britânico Elton John destacou a identidade única de Cohen como artista. “Um grande homem e um compositor brilhante”, escreveu ele, no Instagram. O perfil do Twitter do Grammy destacou a carreira de quase 50 anos na música de Cohen, “um dos mais reverenciados poetas do pop”.

Curioso como o filho de pais judeus, em Quebec, encontrou a consagração como músico. Ele integra o Hall da Fama do Rock and Roll, mesmo que nenhuma canção sua tenha ingressado entre as paradas das 40 mais tocadas nos Estados Unidos – embora canções icônicas como Bird on the Wire, Hallelujah, First We Take Manhattan e Suzanne tenham ganhado versões icônicas em outras vozes, numa lista que inclui Nina Simone, Johnny Cash e até o R.E.M.. E a música não foi a sua primeira expressão artística.

Em maio de 1956 (11 anos antes de seu primeiro álbum), ele lançou Let Us Compare Mythologies, uma reunião de 44 poemas, numa mistura particular entre mitologia e hedonismo. Foram mais 14 – apenas um deles, A Brincadeira Favorita, de 1963, ganhou uma versão por aqui, pela Cosac Naify, em 2011. Se Cohen não tivesse escolhido ser o Bob Dylan de Montreal – alcunha que ele costumou receber ao longo da carreira, pela profundidade de suas composições e voz frágil -, hoje ele poderia ser o Philip Roth canadense.

A mudança para a música se deu quando percebeu que a literatura não lhe enchia os bolsos o suficiente. Ainda assim, Cohen viveu no lado mais escuro do pop, nas sombras. A capacidade de juntar palavras e, com elas, transpirar dor, solidão, saudade, amor e gozo, assustam os menos iniciados.

Cohen prometeu viver até os 120 anos. Seriam mais 32 anos em sua companhia. Adorável mentiroso. O homem que, ao longo de 14 discos e 15 livros discorreu sobre a dor e a solidão – e, com eles, ajudou a curar nossas próprias feridas -, não quis causar, ele mesmo, um novo buraco. Poupou a todos do medo de perdê-lo tão cedo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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