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Polícia Civil afasta motivação política em crime; PT insiste em federalização

A Polícia Civil do Paraná indiciou nesta sexta, 15, o agente penal federal Jorge Guaranho, apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), por homicídio qualificado do guarda municipal Marcelo Arruda, militante petista. As autoridades descartaram motivação política no assassinato cometido no sábado passado, em Foz do Iguaçu (PR), durante a festa de 50 anos da vítima. O tema da comemoração remetia ao PT e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

As conclusões repercutiram no meio político diante da radicalização na disputa presidencial deste ano. O PT vai insistir na tese de federalização das investigações – ou seja, retirar da esfera estadual a condução da apuração. Lula afirmou que Arruda, que era tesoureiro da legenda na cidade, foi vítima de um crime contra a democracia. A defesa da família da vítima contestou o resultado do inquérito, e os advogados de Guaranho viram acerto da polícia. Especialistas em direito penal ouvidos pelos <b>Estadão</b> divergem a respeito dos apontamentos das autoridades.

O inquérito foi concluído em uma semana e antes do resultado de exames periciais. As autoridades policiais imputaram duas qualificadoras – motivo torpe e causar perigo comum. Com elas, a pena varia de 12 a 30 anos de reclusão. A primeira está ligada à "discussão por motivo vil", enquanto a segunda tem relação com o fato de oito pessoas estarem presentes no local do crime e, assim, poderiam ter sido atingidas pelos disparos efetuados por Guaranho.

Segundo a delegada Camila Cecconello, não há provas suficientes de que Guaranho queria cometer um "crime de ódio contra pessoas de outros partidos". "Para enquadrar em um crime político, na lei de crimes contra o estado democrático de direito (substituta da Lei de Segurança Nacional, resquício da ditadura recentemente revogada), há alguns requisitos, como impedir ou dificultar uma pessoa de exercer seus direitos políticos", afirmou Camila, em entrevista coletiva.

Na visão da polícia, a intenção de Guaranho era provocar os participantes da festa, não efetuar os disparos quando chegou ao local. Segundo Camila, "parece mais uma coisa que acabou virando pessoal entre duas pessoas que discutiram, claro, por motivações políticas".

<b>Cronologia</b>

De acordo com a Polícia Civil do Paraná, Guaranho soube da festa durante um churrasco com colegas de futebol, perto da Associação Recreativa e Esportiva da Segurança Física (Aresf), onde Arruda comemorava o aniversário. Inicialmente, foi dada a versão de que o agente federal, como diretor do local onde o evento era promovido, fazia uma ronda, o que foi refutado.

Segundo a delegada, uma testemunha que estava no churrasco tinha acesso às câmeras de monitoramento da Aresf. Guaranho viu a imagem, perguntou onde era e, sem mais comentários, saiu do churrasco e seguiu para o local com a mulher e uma criança. Já no aniversário, segundo o depoimento da mulher do agente, ela foi atingida por terra e pediu para ir embora em meio às discussões. Guaranho disse que o casal fora humilhado e, por isso, teria voltado à Aresf.

O guarda municipal e o agente penal não se conheciam, de acordo com Camila. Foram quatro tiros de Guaranho contra a vítima – dois atingiram o guarda. Arruda, por sua vez, fez dez disparos, e quatro deles alvejaram Guaranho. De acordo com a polícia, o agente federal segue hospitalizado, sob sedação. Ele teve a prisão preventiva decretada na segunda-feira.

Ao longo das investigações, a Polícia Civil realizou 18 oitivas de testemunhas. Agora o relatório segue para o Ministério Público, que, como titular da ação penal, fica incumbido do oferecimento da denúncia. O órgão pode pedir mais diligências, concordar ou discordar das conclusões da polícia e apresentar outras motivações para o crime. Em nota, o MP afirma que vai analisar o processo e trabalhar na peça de acusação.

<b>Defesas</b>

A defesa da família de Arruda reafirmou que a motivação do crime foi intolerância política. "A defesa vê com muita preocupação e muita surpresa essa constatação pela Polícia Civil de que não houve motivação política. Porque a própria família do Guaranho disse em declaração de que ele chegou ao local e proferiu palavras de ordem do tipo Bolsonaro , mito , o que tem, evidentemente cunho político", disse o advogado Ian Martin Vargas.

A defesa de Guaranho, por sua vez, concordou com a polícia. "A defesa entende que está correta a forma da autoridade policial em não admitir que tenha sido um crime cometido em detrimento da política", disse o advogado Cleverson Ortega.

<b>Motivações</b>

Para o professor de Criminologia e Direito Penal da USP Maurício Dieter, o motivo torpe rebaixa a condição da vítima. "Crime com motivação política, a qualificadora torpe parece atender a isso. A motivação não é fútil, é vil, baixa. Estou rebaixando a qualidade humana dele", afirmou.

De acordo com o ex-ministro da Justiça e professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP Miguel Reale Júnior, a motivação política levaria a uma qualificadora de crime "fútil". "Acho que ali é muito mais um motivo fútil, que, por ter divergência política, ele vai lá e mata a pessoa. Se tira o ato político do adversário, não haveria crime. Se não fosse a festa tendo por mote o Lula, o sujeito não teria ido lá matar o outro. A motivação é essa."

A inserção da motivação política no inquérito, segundo Reale Júnior, não se restringe à pena, mas é importante "para passar a mensagem". "O que há de problemático é que ela (delegada) quer tirar o cunho político para estabelecer que o sujeito voltou porque foi humilhado. O que ela quer é atender interesses políticos de tirar o fato da caracterização de motivação política", afirmou.

Para o PT, a conclusão do inquérito reforça o pedido de federalização feito à Procuradoria-Geral da República (PGR). "Ficou evidente que a Polícia Civil do Paraná não quer reconhecer que foi cometido um crime de ódio com evidente motivação política", afirmou a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, em vídeo divulgado ontem. O partido avalia apresentar uma nova manifestação à PGR. "É grande a nossa indignação", disse Gleisi.

Lula, em uma rede social, tratou da morte do guarda municipal. "Marcelo Arruda era um trabalhador, pai, servidor público no Paraná. Planejou sua festa de aniversário em paz, com sua família. Marcelo é vítima de uma violência que foi contra a democracia", escreveu o ex-presidente no Twitter.

Aliado de Bolsonaro, Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil, atacou a imprensa. "Um dos princípios do jornalismo não é a imparcialidade? Foram dezenas e dezenas de horas afirmando que a tragédia de Foz foi crime político. Agora não seria a hora de dezenas e dezenas de horas de esclarecimentos e pedidos de desculpa?", escreveu no Twitter.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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