Estadão

Políticos e intelectuais da América Latina pedem que Ciro desista de candidatura

Mais de 50 políticos e intelectuais da esquerda em países da América Latina escreveram uma carta aberta ao candidato Ciro Gomes (PDT) pedindo que ele desista da corrida presidencial no Brasil em prol do voto útil em Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Assinada pelo Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, o argentino ativista dos direitos humanos que recebeu o prêmio pela criação do Serviço Paz e Justiça na América Latina, pelo ex-presidente do Equador Rafael Correa, pela senadora colombiana Piedad Córdoba, o ex-chanceler do Paraguai Jorge Lara Castro, entre outros, a carta divulgada nesta terça-feira, 20, pede que Ciro não cometa um "erro" ao manter sua candidatura.

"Dirija-se aos seus seguidores e lhes diga que a urgência da luta contra o fascismo não lhes deixa outra opção além de apoiar a candidatura presidencial de Lula", afirma o documento.

A carta alega que a eleição deste ano no Brasil é uma disputa entre o fascismo e a democracia. "Sabemos que você foi um lutador pelas boas causas do povo brasileiro ao longo de sua vida. É por isso a perplexidade que nos leva a escrever-lhe esta carta e que nos move a enviar-lhe esta mensagem fraterna, porque é incompreensível para nós, na atual situação brasileira, sua insistência em apresentar sua candidatura presidencial para o primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, neste 2 de outubro, que sem o menor exagero pode ser considerado um ponto de virada histórico. Por quê? Porque a escolha fundamental não será entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio "Lula" da Silva, mas entre fascismo e democracia." O grupo divulgou ainda um e-mail para receber novas adesões ao documento.

<b>Campanha pelo voto útil</b>

A campanha do petista tem intensificado nas últimas duas semanas as ações em busca de eleitores de Ciro, Simone Tebet (MDB) e outros concorrentes, além de mirar o voto dos indecisos e combater a abstenção às urnas, no esforço para que Lula saia vitorioso já no primeiro turno, dia 2 de outubro.

Nesta quarta-feira, 21, um vídeo foi divulgado mostrando diversos cantores e atores cantando o "Vira voto" e fazendo com as mãos a sinalização de uma arma – referência usada por Bolsonaro e seus partidários – se transformando no "L" de Lula.

Durante sabatina promovida pelo<b> Estadão</b>, em parceria com a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), nesta quarta-feira, 21, Ciro foi irônico ao afirmar que é a favor do voto útil, mas o "voto útil contra a corrupção" e afirmou depois que hoje existe um fascismo de esquerda no Brasil.

<b>Leia a íntegra da carta:</b>

<i>"Caro companheiro Ciro Gomes:

Os abaixo assinados são militantes da esquerda latino-americana, profundamente antiimperialistas e comprometidos com a emancipação de nossos povos e a criação da Grande Pátria. Somos também pessoas que amam e admiram o Brasil e seu povo; à cultura primorosa daquele país: sua música, sua literatura, suas pinturas, sua gastronomia, suas diversas manifestações artísticas e também a longa luta de seu povo para ter acesso a uma vida mais plena, espiritual e materialmente.

Sabemos que você foi um lutador pelas boas causas do povo brasileiro ao longo de sua vida. É por isso a perplexidade que nos leva a escrever-lhe esta carta e que nos move a enviar-lhe esta mensagem fraterna, porque é incompreensível para nós, na atual situação brasileira, sua insistência em apresentar sua candidatura presidencial para o primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, neste 2 de outubro, que sem o menor exagero pode ser considerado um ponto de virada histórico. Por quê? Porque a escolha fundamental não será entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio "Lula" da Silva, mas entre fascismo e democracia. E você, um homem político, inteligente e com larga experiência atrás de você, sabe muito bem que sua candidatura não tem absolutamente nenhuma chance de chegar às urnas, muito menos vencer no primeiro turno. A dura realidade é que, mantendo sua candidatura, caro camarada Ciro, a única coisa que você fará é dispersar forças, enfraquecer a força do bloco antifascista, com todas as suas contradições, facilitar a vitória de Bolsonaro e, eventualmente, abrir caminho para um novo golpe. Apesar de sua boa vontade, infelizmente você não está em condições de fazer nenhum bem, nenhum bem, e está em condições de causar grandes danos ao Brasil e ao seu povo. Você não será capaz de fazer o bem apesar de suas intenções porque suas chances de ganhar são zero. Ao enfraquecer a candidatura unitária de Lula, ao dispersar as forças do bloco que se opõe ao fascismo, o que você fará objetivamente (além de suas intenções, que não duvidamos são boas) será pavimentar o caminho para a perpetuação de Bolsonaro no poder.

Parece-nos que por causa de sua carreira você não deve entrar na história do Brasil por aquela porta indigna, como a de um homem que, tendo lutado pelas boas causas de seu povo e alcançado importantes resultados, em uma instância crítica e decisiva para seu país comete um erro e abre as portas para um processo que semeia morte e destruição em seu país e que, sem dúvida, também o terá como uma de suas vítimas. Não se pode ignorar a natureza perversa do atual presidente do Brasil. Suas palavras e promessas, mesmo aquelas que ele possa ter feito a você, são completamente inúteis. Bolsonaro é um personagem imoral, um fanático alucinado sem princípios morais que deixou mais de 700.000 brasileiros e brasileiras morrerem sem fazer o menor esforço para salvá-los. Ele também é um traidor em série, comparável apenas aos piores personagens de Shakespeare. E ele não hesitará por um momento em traí-lo assim que for conveniente para ele.

Ainda há tempo de reparar seu erro, companheiro Ciro. Dirija-se aos seus apoiadores agora e diga-lhes que a urgência da luta contra o fascismo não lhes deixa outra escolha a não ser apoiar a candidatura presidencial de Lula. Peça-lhes aquele voto, crucial para derrotar no primeiro turno o capitão (assim, com letras minúsculas) e seus esquadrões armados; crucial também para impedir a perpetuação no poder de um homem que exaltava a figura do canalha que torturou Dilma Rousseff. Você, por causa de sua história e de suas ideias, tem que fazer o impossível para impedir que uma figura tão monstruosa fique mais um dia no Palácio do Planalto. Além disso, devido à sua idade, não temos dúvidas de que ele continuará sendo uma figura de destaque na política brasileira. Que não é a vez dele, que as circunstâncias o obrigam a esperar. Não se esqueça que a paciência é um dos traços que definem os grandes líderes políticos.

Nada mais por enquanto. Esperamos que você aprecie o senso de solidariedade nesta mensagem. Receba um abraço fraterno de seus companheiros lutadores de toda a América Latina e Caribe."
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