No fim da primeira semana de internação para investigar anemia, João Pedro Ferreira da Silva, de 5 anos, estava entediado. O boneco do Mickey, companhia constante nos dias em que passou por transfusão de sangue e exames, já não o distraía. Foi quando olhou pela janela e viu três pôneis no jardim.
Da desconfiança ao encantamento com os animais, não passou muito tempo. João Pedro logo juntou-se a outras crianças, abraçou Sushi, “dividiu” o Mickey com o novo amigo e, por fim, o montou. Equipado com chapéu de jóquei e tudo.
Parece brincadeira, mas é tratamento. O trabalho com os pôneis é uma iniciativa do Hospital Federal da Lagoa, na zona sul do Rio, para auxiliar na recuperação de crianças em acompanhamento na unidade ou que enfrentam longas internações. As sessões de zooterapia ocorrem em um jardim desenhado por Burle Marx. Ao fundo, fica o prédio do hospital, projetado por Oscar Niemeyer.
A ideia de ocupar o jardim com os pôneis foi da veterinária Ana Stela Fonseca, de 44 anos, que presta serviços na vizinha Sociedade Hípica Brasileira. A belga Françoise Denis, de 57 anos, havia acabado de criar o Pônei Clube do Brasil, escola de equitação para crianças de 18 meses a 4 anos. Topou a empreitada. Duas vezes por semana, os cavalinhos atravessam a rua que divide as duas instituições.
Ali, as crianças em tratamento escovam a crina dos animais, montam ou guiam os pôneis, enquanto os colegas fazem seus passeios. A atividade melhora a confiança das crianças, a coordenação motora e tem um efeito difícil de ser medido – facilita a adesão ao tratamento, melhora o humor e a disposição dos pequenos pacientes, que vivem rotina sacrificada.
É o caso de Miguel Dias Maia, de 8 anos, diagnosticado aos 2 anos com Síndrome de Wiskott-Aldrich, que provoca infecções constantes, baixa contagem de plaquetas e sangramentos espontâneos. Enquanto não recebe transplante de medula, o menino não pode jogar bola nem brincar de “pique-pega”. Na escola, os colegas o protegem das brincadeiras que podem machucar, conta o pai, o confeiteiro João Carlos Maia.
Toda quarta-feira, Miguel faz exames de sangue no hospital e espera por duas ou três horas. “Agora é dia de diversão. O passeio com o pônei quebra o clima da consulta, ele não fica só em função da doença”, disse Maia.
Os passeios no dorso de Tamagoshi, Yakissoba e Zorro fazem Miguel esquecer que é o “menino de cristal”, apelido que ganhou dos colegas. Sara Maria Ferreira Mota, de 10 anos, também é obrigada a levar vida mais pacata do que gostaria. Campeã de ginástica olímpica, sofreu um acidente vascular encefálico aos 7 anos, dentro do ginásio. Os médicos investigam se ela tem SAF, síndrome que favorece a ocorrência de tromboses (formação de coágulos) e isquemias. “Ela aceita o tratamento, mas é uma rotina difícil”, contou a mãe, a vendedora Ana Angélica Azevedo Ferreira Mota, de 35.
Mãe e filha saem de Paraíba do Sul, a 137 km da capital fluminense, às 2h30, em um carro da prefeitura, e chegam às 4h30 ao hospital. As consultas começam às 8 horas. Mas elas só voltam para casa no início da noite, quando o carro retorna.
Françoise leva para o hospital os animais mais mansos, entre eles Zorro, um Shetland, raça do norte da Inglaterra, que chegou ao Rio de avião. Ainda menor do que os outros, ele encanta as crianças por causa da crina crespa. Breno Moura Bento da Silva, de 6 anos, que nasceu com grave cardiopatia e frequenta as dependências do HFL desde os 4 meses, se aproxima para escovar o animal. “Ele ainda fica com medo, gosta de puxar a cordinha para os amigos passearem. Mas hoje aceitou montar”, disse Alcineia Moura, de 45 anos, sobre o filho, que tem síndrome de Down.
Espaço terapêutico
Para o médico Paulo Cerdeira Campos, coordenador do programa Lagoa Voluntário, do qual a zooterapia faz parte, o jardim é fundamental como espaço terapêutico. “Lá os pacientes sentem cheiros diferentes, veem cores diferentes, eles se lembram de que são mais do que a doença. Eles brincam, interagem. Isso se reflete no tratamento.” A instituição ampliará a parceria com a Sociedade Hípica. “Vamos tentar deixar o jardim como Burle Marx projetou.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.