Mundo das Palavras

Por fim, um prazer nestas eleições


São conhecidos os estragos provocados na educação dos jovens brasileiros pelo controle, durante duas décadas, das informações às quais eles poderiam ter acesso em sala de aula. Imposto pelo regime militar pós-1964, o controle se estendia a todos os níveis de ensino. Os currículos do 2° grau, por exemplo, eram elaborados com a única, e sempre frustrada, pretensão de profissionalizar os alunos naquele nível. Dentro da ótica autoritária do regime político, as escolas deviam produzir, sobretudo, mão-de-obra.  Tudo nelas era controlado, desde a montagem da grade curricular, o conteúdo a ser desenvolvido em cada disciplina, até o convívio em sala de aula. O objetivo: impedir que a liberdade no  funcionamento das escolas formasse alunos igualmente livres, no modo de pensar e de se exprimir, portanto, rebeldes ao controle do Estado.


 


Ameaças e prisões tornaram perigoso o antigo e enraizado hábito de fomentar debates em salas de aula. Surgiu a mais triste figura daquele período da História do Ensino no Brasil: o informante policial disfarçado de aluno, presente às aulas com o único objetivo de levar à prisão o professor ou o estudante insubmisso ao regime militar.


  


Naquela conjuntura, não apenas foi oficialmente extinta a União Nacional dos Estudantes. Os centros acadêmicos passaram a ser vigiados. E tornou-se impossível manter o concurso nacional de oratória que projetava os grandes talentos juvenis para os debates de idéias.


 


O prazer simples, e ao mesmo tempo sofisticado, de acompanhar os processos mentais por meio dos quais dois interlocutores medem publicamente a consistência de seus pensamentos foi negado por muitos anos aos brasileiros. Perdeu-se até a lembrança da existência deste prazer intelectual desfrutado com frequência – e há muito tempo – por quem nasce num país como a França, onde desde cedo os jovens são estimulados a ler e a pensar para poderem se exprimir com coerência e fundamento.  


 


Foi o final desta última campanha eleitoral que permitiu aos brasileiros se conscientizar da perda desta lembrança. Se, como infelizmente era previsível, a campanha trouxe criaturas saídas do universo do grotesco, em contrapartida, ela ensejou o confronto dos dois melhores candidatos a chegarem ao segundo turno, numa eleição presidencial, nas últimas décadas. Não, por acaso, ambos oriundos do movimento dos jovens que recusaram a truculência do regime militar. Os telespectadores que assistiram a seus debates desfrutaram do gosto do prazer antigo propiciado pelo espetáculo do bom manejo das palavras. Espetáculo no qual um contendor, dentro de regras, tenta desmontar o raciocínio do outro, desmoralizar seu argumento, e, encurralá-lo em seu próprio discurso. Uma proeza só exeqüível por quem se dedique a ela com atenção, inteligência, preparo intelectual, muita informação, agilidade mental e desenvoltura no uso das palavras.


 


Que o gostinho por este espetáculo civilizado volte a ser cultivado entre nós. É, certamente, o que anseia quem compreende a relevância do desenvolvimento da capacidade de expressão verbal na defesa dos direitos individuais e sociais no Brasil.                


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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