William Machado, ex-jogador, ex-dirigente e ex-comentarista de TV, trocou o futebol pela calculadora e pelas planilhas há 11 anos ao se tornar assessor de investimentos. A sua vida, no entanto, continua ligada ao esporte que lhe deu a oportunidade de ter um saldo social, terminar os estudos e se aventurar no mercado financeiro. O "Capita", ex-zagueiro de sucesso de Grêmio e Corinthians, quer passar agora seu conhecimento nesse segmento para atletas por meio de um curso de finanças e investimentos voltado especificamente para jogadores de futebol.
William trabalha hoje na Messem, escritório vinculado à XP Investimentos e que tem sob sua gestão mais de R$ 5 bilhões. Ele ensina pessoas a cuidar do seu dinheiro. Boa parte dos clientes são atletas e ex-atletas preocupados com as finanças, especialmente no período pós-carreira.
O ex-zagueiro percebeu ali uma oportunidade de ajudar seus colegas e foi provocado a ministrar um curso voltado para os futebolistas. Topou o desafio e espera mudar o pensamento dos "boleiros" e de suas famílias quanto às finanças. "Desde que eu parei de jogar, ficava imaginando como criar algum legado que pudesse ajudar os atletas e tivesse mais capilaridade. Os atletas têm um tempo improdutivo que eles podem aproveitar melhor. Pensei que poderia ser um caminho", explica William ao Estadão.
O curso, online e sob demanda, é vendido por R$ 700. São sete horas de conteúdos divididos em três módulos. Há ensinamentos sobre valor do dinheiro, taxa de juros, planejamento de aposentadoria, retorno e risco, criptomoedas e como construir uma carteira de investimentos. As aulas, diz William, serão fundamentais para ensinar o jogador, sobretudo, a não cair em armadilhas. São vários os casos de atletas e ex-atletas que foram enganados, caíram em golpes e perderam quantias vultosas de dinheiro.
"O atleta fica visado por esses golpistas. O cara promete retornos absurdos e o atleta acaba brilhando os olhos. O ser humano acaba tendo ganância, querendo ganhar muito em pouco tempo", diz o assessor de investimento. Entre as suas incumbências está mostrar o caminho para valorizar o patrimônio de seus clientes.
William é um dos pioneiros entre jogadores a entrar para o universo das finanças. Mas não está só. É um nicho que tem crescido consideravelmente e atraído cada vez mais ex-atletas e atletas que buscam se tornar "homens de negócios". Willian, atacante do Palmeiras, Tiago Real, ex-Palmeiras e atualmente no Vila Nova, e Dudu Cearense, ex-volante com passagens por Atlético Mineiro e Botafogo, são sócios de consultorias financeiras.
"A sociedade deu um passo à frente nesse aspecto. Ele é reflexo da sociedade em que ele está inserido. Eu vejo que os atletas estão acordando porque eles perceberam que há coisa melhor", avalia William, antes de fazer uma ponderação. "Mas ainda falta maior interesse de acompanhar dia a dia para ter mais conhecimento. Eles delegam muito as decisões e ficam sempre na mão de alguém".
É a fim de não deixar mais os jogadores "na mão de alguém" que ele lançou o curso, que apresenta exercícios e projeções com a quantia, por exemplo, que um atleta precisa para se aposentar com conforto. Trata-se, segundo o ex-defensor, de um primeiro passo para que o futebolista se interesse pelo tema e amplie seu conhecimento para que saiba como e onde investir o seu dinheiro.
"A ideia é tirar esse véu da frente dos atletas, mas como um primeiro passo. Tenho certeza que vai ajudá-los bastante, mas não é definitivo. Se eles desenvolverem o gosto, vão passar a acompanhar mais a economia e entender melhor o assunto. Como a alta do dólar, inflação e taxa Selic refletem na vida dele. Quero mostrar a importância que os investimentos e a economia têm para eles", afirma.
"Os atletas geralmente gastam mais dinheiro no estilo de vida deles com carros, imóveis, festas, viagens e jatos. É preciso tomar muito cuidado com isso, já que do mesmo jeito que o dinheiro entra, ele sai", reforça Bruna Allemann, educadora financeira da Acordo Certo.
JOGADOR, GERENTE DE FUTEBOL, COMENTARISTA E ASSESSOR DE INVESTIMENTOS – Aposentado dos gramados desde 2010, William viu seu interesse pelas finanças despertar quando ainda jogava, em seus últimos meses de Corinthians. O futebol sempre foi sua paixão, mas seus olhos também brilhavam pela matemática e a economia, tanto que se graduou em Ciências Contábeis. Quando morou em São Paulo, coração financeiro do País, esse interesse se intensificou.
Inicialmente, ele percebeu a dificuldade que tinha para tratar de investimentos e resolveu se debruçar sobre o tema para não ficar mais "à mercê do gerente do banco". Ali nasceu a sua segunda carreira. Ainda no Corinthians, o ex-jogador passou até a dar dicas para os colegas e se tornou um assessor informal de alguns de seus companheiros. Naquela época, em 2010, pouco antes de se aposentar, William atuava como captador para uma gestora de investimentos fazer a gestão patrimonial. Fo sócio de uma consultoria financeira, depois atuou como gerente de futebol de Corinthians, Bahia e Santos, e comentou jogos para o SporTV durante quatro anos. Em 2018, retornou ao mercado financeiro e hoje tem carreira estabilizada no setor.
William foi além do futebol porque, na sua avaliação, sua carreira demorou a decolar. Ele temia que falhasse em se tornar profissional no futebol e deu atenção para os estudos. Cursou Ciências Contábeis enquanto jogava em times pequenos, até que teve de trancar a faculdade quando chegou ao primeiro grande clube da carreira, o Grêmio.
"Estudei enquanto estava na categoria de base e depois fui transferindo quando fiz meu primeiro contrato de um ano. Tudo no afã de terminar a faculdade porque eu ainda era dublê de jogador", recorda-se. A graduação, depois de muitas transferências, ele terminou apenas no ano passado, aos 44 anos. E o futebol vai continuar presente na sua vida por meio dos jogadores que atende. Já que não pensa em voltar a ser dirigente ou comentarista.
"Dou muito valor ao meu sábado, domingo e feriado", justifica. "Sou grato ao futebol. Queria devolver ao futebol aquilo que o futebol me ajudou a conquistar. Tentei como dirigente, comentarista, mas o que fiz primeiro que me brilhou os olhos foi assessorar as pessoas nos investimentos. Hoje eu vejo que consigo atender um atleta do Inter e do Grêmio, do Cruzeiro, Atlético Mineiro, Santos, São Paulo, Corinthians, Palmeiras. Sem restrições. Como dirigente e comentarista isso não seria possível".