Estadão

Por meio do estranhamento, Pobres Criaturas faz crítica social afiada

Quando vamos assistir a um filme de Yorgos Lanthimos, sabemos que não encontraremos algo normal. Ele já deixou isso claro com <i>Dente Canino</i>, <i>O Lagosta e</i><i> O Sacrifício do Cervo Sagrado</i>. São longas estranhos, desconfortáveis, exagerados, bizarros. Mas nenhum deles consegue ser mais bizarro do que <<i>Pobres Criaturas</i>.

No início do filme, 11 vezes indicado para o Oscar (e esnobado em outras duas indicações, para ator coadjuvante para Willem Dafoe e para efeitos especiais), Bella Baxter (Emma Stone) aparece como uma mulher formada, mas seu comportamento não reflete isso.

É como uma criança em desenvolvimento. Está começando agora a andar, a se comunicar. Seu "pai" (Dafoe) é chamado de deus e, pela casa, circulam animais bizarros.

O que está acontecendo? Lanthimos está acontecendo. A história é uma fantasia sobre a formação de consciência. É Frankenstein, sem a inocência dolorosa do monstro. É Metrópolis, mas sem o requinte de Fritz Lang. É um profundo estudo de personagem de uma mulher tentando sobreviver conforme o mundo se volta contra ela.

Bella pode não se incomodar como o modo como os homens em sua vida tentam interferir em tudo, mas é quase impossível para o espectador ignorar o desenvolvimento da protagonista. Em um mundo governado por homens, em que Deus é essa figura paterna, a salvação é o sexo.

<i>Pobres Criaturas</i> é inspirado no romance de 1992 de Alasdair Gray. A essência da jornada de Bella está no filme, mas muito foi alterado – principalmente o foco da história, que sai do olhar dos homens para ser o da própria Bella. "Decidimos que seria a história dela, o filme dela", disse Lanthimos, em entrevista recente.

É a decisão mais acertada de todas: o filme deixa de ser apenas um estudo de comportamento para se tornar um comentário social afiado. Assim, depois de conhecer a personagem, nos lançamos em outra jornada; agora, a do enfrentamento daquilo que há no mundo a sua volta. Ela conhece um "novo amor" (Mark Ruffalo, indicado para o Oscar de melhor ator coadjuvante), trampolim para que ela conheça os prazeres mundanos. E descobre que, como a beleza, a maldade e o sofrimento também existem no mundo.

<b>EFEITOS ESPECIAIS</b>

Tudo isso é acompanhado de efeitos especiais que amplificam o sentimento de que há um conto (de fadas, talvez?) sendo exibido.

Dessa forma, nesse conjunto de falas e discursos, <i>Pobres Criaturas</i> se torna um interessante diálogo sobre a libertação feminina, longe de amarras e tabus. Bella Baxter simplesmente existe, sem qualquer necessidade de comprovar algo. Ela se afasta com repulsa das obrigações e abraça com prazer as necessidades.

<i>Pobres Criaturas</i> é um filme que não tem medo de falar sobre coisas difíceis. Aborda temas complexos, desde o existencialismo até o questionamento sobre o que é Deus, passando pela liberdade sexual, a exploração da mulher, a maldade intrínseca do mundo e o nascimento da bondade.

Nem sempre Lanthimos e o roteirista Tony McNamara são felizes nessas discussões, cortando várias pela metade. Mas, quando <i>Pobres Criaturas</i> é bem-sucedido em sua discussão, não poderia ser um filme melhor.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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