As oito metralhadoras furtadas do Arsenal de Guerra do Exército, em Barueri, na Grande São Paulo, encontradas pela Polícia Civil do Rio nessa quinta-feira, 19, estavam a caminho de reforçar o poderio bélico do Comando Vermelho (CV), principal facção criminosa do Rio e que tem entre suas bases a Cidade de Deus, favela da zona oeste da cidade.
Antes de serem encontradas em um carro estacionado na entrada da Gardênia Azul, comunidade que fica ao lado da Cidade de Deus, as armas passaram pelo Complexo da Penha, na zona norte, e favela da Rocinha, na zona sul. Todas essas áreas são controladas pelo CV. Outras 13 armas ainda seguem desaparecidas após o furto do quartel.
"Já havia notícia, pela inteligência do Exército, de que parte (das armas) tinha vindo para a guerra da zona oeste entre tráfico e milícia. Intensificamos as investigações e conseguimos dados de inteligência e localizar as armas", contou na quinta-feira o novo secretário estadual de Polícia Civil, Marcus Amim.
Apesar da apreensão das armas, ninguém foi preso. "A gente ponderou entrar na Rocinha, realizar uma operação lá, mas conseguimos dados de que elas seriam transportadas e preferimos pegar essas armas ao final do transporte e não no meio, porque isso poderia gerar um confronto (da polícia com os criminosos)", justificou Amim.
<b>Tentativa de expansão de domínio</b>
O interesse pelas armas – foram apreendidas quatro metralhadoras MAG 7.62 e quatro metralhadoras .50, capazes de perfurar blindagens e até mesmo derrubar aeronaves – está ligado a uma tentativa de expansão de domínio. O Exército e a polícia ainda não identificaram o paradeiro de outras quatro metralhadoras .50 e nove do modelo MAG.
A facção tem largo histórico de confronto com grupos rivais, seja do tráfico, seja da milícia. A Gardênia Azul era uma área controlada por milicianos, mas recentemente uma aliança foi formada pelo grupo paramilitar que atua no local com o Comando Vermelho.
"Foi uma novidade muito surpreendente. Historicamente, o CV sempre teve uma postura mais de confronto", explicou Carolina Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF), em entrevista recente ao <b>Estadão</b>.
Essa parte da zona oeste, na região de Jacarepaguá, vive intensa guerra por territórios, em especial no último ano. Confrontos entre as milícias da Gardênia Azul e a que atua no Rio das Pedras e na Muzema se intensificaram a partir da morte do líder desse grupo no início do ano. O CV viu uma oportunidade nessa disputa para tentar expandir sua atuação.
No início do mês, três médicos foram assassinados em um quiosque na Barra da Tijuca – área nobre não muito distante da Gardênia e da Cidade de Deus – em um contexto ligado a essa guerra por territórios. A principal suspeita é de que os médicos foram mortos por engano por integrantes do Comando Vermelho, após um deles ser confundido com um miliciano.
O <b>Estadão</b> mostrou que, na região, o número de tiroteios na zona oeste aumentou 55% em relação ao mesmo período do ano passado. O Instituto Fogo Cruzado registrou ao menos 693 trocas de tiros, ante 448 nos dez primeiros meses de 2022. Em comparação, a zona sul carioca teve 44 tiroteios este ano, e a região central, 69. Além disso, com a morte dos médicos a zona oeste fluminense chegou a 13 chacinas apenas este ano.
<b>Poder de fogo</b>
Metralhadoras Browning calibre .50, como as que foram furtadas no quartel do Exército em Barueri são armas usadas em guerras e com alto poder destrutivo, sendo capaz de disparar até 550 tiros por minuto, segundo especificações técnicas do armamento.
Por seu alto poder de fogo, metralhadoras .50 passaram a ser cobiçadas por organizações criminosas organizadas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), que possuem armeiros especializados.
Elas estiveram presentes em ocorrências marcantes, como o assassinato do Rei da Fronteira, o megatraficante Jorge Rafaat Toumani, entre o Brasil e o Paraguai, em 2016. Na oportunidade, o armamento foi encontrado acoplado no interior de um veículo adaptado para o ataque, que focava na disputa pelo controle de rotas de tráfico de drogas entre os dois países.
Documentos técnicos das Forças Armadas apontam que a .50 pesa 38,1 quilos, sem contar outros 20 quilos do tripé que acomoda o armamento no solo. Ela tem 1,75 metro de comprimento e atinge alvos com eficácia a mais de um quilômetro de distância. É considerada não portátil por não ser transportada de forma ativa facilmente, mas, além do solo, pode ser instalada em veículos terrestres e aquáticos e possui suportes voltados a alvos aéreos a baixa altitude.