Mundo das Palavras

Por que os livros de auto-ajuda provocam desconfiança

Se conselho tivesse valor, seria vendido, e, não dado. A conhecida frase apreende bem a desconfiança com que as pessoas simples, com admirável sabedoria intuitiva, vêem qualquer orientação verbal dada, numa determinada situação, a uma pessoa por alguém que pretenda saber o que ela deve fazer.


 


Por que há esta desconfiança? Certamente porque a vivência daquelas pessoas já mostrou que ninguém pode fugir das dificuldades que nós, seres humanos, temos de tomar uma decisão sobre que atitude tomar diante de cada situação que enfrentamos. Pois, para agirmos de um modo que, mais tarde possamos considerar satisfatório, precisamos levar em conta nossa própria experiência, nossas aspirações profundas, nossa capacidade – ou incapacidade – de entender e lidar com as realidades humanas.


 


Ora, se uma pessoa – com o conhecimento que tem de si própria – não sabe sempre como deve agir, como outra pessoa pode saber por ela? Talvez alguém responda: “Pode saber quando já enfrentou circunstâncias semelhantes”. Mas, isto é suficiente? Uma pessoa pode, sim, se defrontar com situações pelas quais outras pessoas já passaram. Mas dificilmente as enfrentará com as mesmas aspirações, vivências acumuladas, e, habilidades de outra pessoa. Aliás, uma única situação – por exemplo, uma reprovação escolar – é enfrentada de formas diferentes até pela mesma pessoa, se esta situação se apresentar em momentos diversos da vida dela.


 


            Portanto, a verdade é que para agirmos, dentro do nosso cotidiano, não podemos escapar de uma das mais relevantes características da condição humana – a solidão. Ela produz angústia, mas nos amadurece. Ninguém duvide: só aprendemos com nossa própria experiência. O mal terrível que os conselhos produzem é o da criação de dependência de uma pessoa em relação à outra. Aconselhar significa incutir em alguém a idéia de que ela é incapaz de gerir sua própria vida. E que, portanto, outra pessoa pode viver a vida dela, no lugar dela. Há, então, duas aberrações – a de quem pretende renunciar ao comando de sua existência, e, a de quem se sente disposta a assumir o comando da vida dela – quando, de fato, ninguém foge desta fatalidade: cada pessoa é responsável irremediável e unicamente por si mesma. Fora desta fatalidade há apenas ilusão, ou má fé.


 


            A correção da frase extraída da sabedoria popular foi comprovada nos ambientes criados para o tratamento do excesso de angústia – os consultórios psicanalíticos. Neste ambientes quem der conselhos se desqualifica. E quem os aceita jamais se curará. Neles, um tratamento é exitoso não quando o paciente deixa de sentir angústia, mas quando a sente com a intensidade, digamos, “natural”, sem o agravamento provocado por fantasias.


 


            Isto tudo implica na suposição de que uma pessoa não pode ajudar outra a enfrentar dificuldades? Não implica, desde que a ajuda apenas se traduza em solidariedade, compreensão, paciência, amor, enfim. E não na pretensão de dar conselhos.


 


            Os livros de auto-ajuda provocam desconfiança porque estão cheios de conselhos, dados por um autor que não pode conhecer – e não conhece – a situação específica de cada um de seus leitores. São produtos que geram lucro explorando a fragilidade e a solidão humanas.      


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP


                           

Posso ajudar?