Todos os olhos se voltam para o Norte. Pela primeira vez, os portos do chamado "Arco Norte", localizados na região amazônica, desbancaram a preferência dos gigantes do Sudeste e Sul do País e se igualaram como destino dos grãos, com 50% cada, se considerada a movimentação portuária verificada em 2020 pelo agronegócio. A expectativa é que, neste ano, a movimentação nesses portos ultrapasse a do restante do País, já que a média de avanço anual tem sido de 4%.
Até dez anos atrás, terminais portuários de cidades como Itaituba, Santarém e Barcarena (PA), Santana (AP), Itacoatiara (AM) e Porto Velho (RO) eram tratados como "experiências" logísticas pela maior parte dos produtores de Mato Grosso, dada a precariedade – ou mesmo a inexistência – da infraestrutura de acesso aos terminais. Hoje, esses endereços se consolidaram como alternativa aos terminais de Santos (SP) e Paranaguá (PR).
As informações da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) apontam que, em 2010, a movimentação nos portos do Arco Norte respondiam por apenas 23% da produção nacional de soja e milho. Em 2015, essa participação já tinha saltado para 31%, até atingir 50% no ano passado. A maior parte dos grãos é exportada para a Ásia, seguida por Europa.
Não é difícil entender por que o mapa logístico do agronegócio virou de ponta cabeça. Na última década, após sucessivos atrasos, o governo federal conseguiu, finalmente, dar condições razoáveis de trafegabilidade à BR-163, estrada que sai do Mato Grosso e segue até o Pará, onde passou a se ligar com a hidrovia do rio Tapajós. Melhorias também foram feitas na BR-364, que segue até Rondônia, para se conectar à hidrovia do Rio Madeira.
A partir dessas duas rotas que unem estrada e rios, a produção passou a acessar os terminais portuários amazônicos. O que mais pesou, porém, foram os aportes da iniciativa privada, que tratou de pôr dinheiro em estruturas de armazenamento, transporte e transbordo de grãos. O resultado foi imediato: redução da distância e do custo do transporte.
<b>Empresas de logística respondem por boa parte dos investimentos</b>
É o que mostram os dados medidos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão ligado ao Ministério da Agricultura. Hoje, o produtor que embarca a sua carga em um caminhão em Sorriso (MT), por exemplo, e despacha para o porto de Santos, tem de fazer uma viagem de 2.171 km de extensão e pagar R$ 300 por tonelada de grão transportada. Ele pode até dividir esse percurso com o uso de uma ferrovia, a partir de Rondonópolis (MT), mas não verá o preço de seu frete mudar quase nada.
Agora, se este mesmo produtor de Sorriso escolhe como destino o terminal portuário erguido em Miritituba, no município de Itaituba, no Pará, verá a sua distância encolher para 1.017 km até chegar à hidrovia do Tapajós, com um preço de R$ 160 por tonelada. É praticamente metade do preço e da distância. A partir de Miritituba, a produção entra em barcaças e, pela hidrovia, ao porto de Vila do Conde (PA) para, então, ganhar o mundo.
Com mais alternativas de escoamento, o preço do frete caiu de forma geral. Em janeiro de 2020, uma tonelada de grãos que saía de Campo Novo (MT) para viajar 2.210 km até o porto de Santos custava R$ 310. Um ano depois, essa mesma tonelada custa R$ 290. O mesmo comportamento de queda é visto em relação aos principais polos de produção do Mato Grosso, como Primavera, Rondonópolis e Querência.
No Arco Norte, os preços caíram de forma ainda mais acentuada. Entre janeiro de 2020 e de 2021, a tonelada de grãos transportada de Sorriso a Miritituba viu seu frete reduzir em 16%, de R$ 190 para R$ 160. Quem partiu de Sorriso a Santarém (PA) pagou R$ 245 no ano passado, mas agora desembolsa R$ 220.
"É uma mudança muito forte no setor, algo que já era esperado há algum tempo e que veio pra ficar. Os portos do Norte estão trazendo mais competição e opções de saída, que são nosso maior gargalo hoje", diz Antonio Galvan, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja).
<b>Prazo</b>
Tarso Veloso, analista da consultoria agrícola AgResource Brasil, sediada em Chicago (EUA), chama a atenção para o encurtamento dos prazos. "Vemos redução no valor e no tempo de viagem dos grãos que saem do Norte do Brasil, em comparação com as ofertas do Golfo dos Estados Unidos, que é o principal ponto de saída das exportações americanas. Com investimentos na infraestrutura, o Brasil vai continuar a ser o principal produtor agrícola mundial pelas próximas décadas, levando em conta a área agrícola já disponível e o clima propício."
A construção de uma nova ferrovia que ligue o Mato Grosso ao Pará, a chamada "Ferrogrão", é vista pelos produtores como o passo crucial para ampliação do escoamento, dado o volume de produção do Mato Grosso previsto para os próximos anos. O projeto enfrenta resistências por causa de impactos ambientais e dentro do próprio setor ferroviário. Hoje, a única rota de saída ferroviária da produção se dá por meio das ferrovias da Rumo Logística, que controla a Malha Norte e Malha Paulista, trilhos que ligam o sul mato-grossense ao porto de Santos.
<b>Empresas de logística respondem por boa parte dos investimentos</b>
A mudança que hoje reduz o preço do frete e a distância para a exportação dos grãos é resultado de um investimento pesado feito por empresas de logística, produtores, tradings e demais empresários que decidiram apostar suas fichas no tabuleiro do escoamento nacional.
O <b>Estadão</b> fez um levantamento de investimentos públicos e privados realizados nos últimos anos nos terminais portuários do Arco Norte. Os dados, que foram compilados pelo Ministério da Infraestrutura, apontam que mais de R$ 5,2 bilhões foram injetados em 60 projetos de infraestrutura portuária na região desde 2014.
A cifra é conservadora, porque alguns empreendimentos não detalham seus investimentos. A lista inclui, ainda, 19 terminais públicos que foram concedidos à iniciativa privada desde 2017, os quais somam mais R$ 3,7 bilhões. Chega-se, dessa forma, a R$ 8,9 bilhões em investimentos.
Entre as dezenas desses investidores está a Amaggi, conglomerado que pertence à família do ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi. Até dez anos atrás, a soja que era produzida ou comercializada pela Amaggi saía do Mato Grosso com, basicamente, dois destinos: o Porto de Santos ou os terminais de Porto Velho (RO), no Rio Madeira, que alcançava após mais de 1,2 mil quilômetros de estrada, pela BR-319.
Em meados de 2010, a Amaggi, que atua com a produção própria de grãos, como trading, vendendo a produção de terceiros, e logística, decidiu entrar pesado na nova rota do Tapajós. Em parceria com a Bunge, montou uma estrutura em Miritituba para receber a carga que subia pela BR-163, encurtando o caminho até Santarém. "Foi uma aposta. Começamos a andar com a soja até Itaituba bem antes da rodovia BR-163 estar pronta", diz Blairo Maggi.
Hoje, a Amaggi comercializa 12 milhões de toneladas de grãos por ano. Metade dessa produção, diz Blairo, já sai pelo Arco Norte. "Mandamos 3 milhões de toneladas pelo Madeira e outros 3 milhões pelo Tapajós, que há poucos anos não existia como rota de transporte".
O executivo, que diz hoje não ter nenhuma intenção de voltar para a política, afirma que, nos últimos dez anos, Amaggi e Bunge investiram cerca de US$ 500 milhões na UniTapajós, empresa de logística que foi montada para apoiar o escoamento em Itaituba, até o porto de Vila do Conde, saída para o Atlântico.
"O produtor viu cair o preço do frete rodoviário para chegar a esses portos do Pará. Então, a tendência é que esses corredores do Arco Norte passem sobre os demais do Sudeste e Sul. Ainda tem margem de frete que vai ser retirada, conforme aumentar essa eficiência."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>