Ex-dirigente da Fifa, Miguel Maduro acusou a cúpula da entidade de proteger o governo russo e de tentar evitar qualquer punição contra representantes do Kremlin. Em uma audiência pública no Parlamento britânico, nesta quarta-feira, Maduro revelou como foi pressionado pelo presidente da Fifa, Gianni Infantino, a não adotar qualquer medida contrária a Vitaly Mutko, vice-primeiro-ministro da Rússia e que era um dos membros do Conselho da Fifa.
Suas declarações também apontam para o abuso de poder dos cartolas e abrem uma nova crise na entidade máxima do futebol que, há dois anos, tenta mostrar ao mundo que mudou depois das prisões de seus dirigentes. Para Maduro, essa mudança não ocorreu e as regras continuam sendo violadas e instrumentalizadas. “A Fifa é um estado além do estado”, disse. “Há uma resistência contra qualquer tipo de controle”, acusou.
Maduro era o responsável na Fifa pelo Comitê de Governabilidade. Mas durou apenas alguns meses no cargo, depois de ver sua independência minada pela cúpula da entidade, que o teria pressionado a tomar certas decisões contra as próprias regras da Fifa. Assim como ele, outros membros abandonaram a entidade, entre eles a ex-representante da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay. Hoje, segundo Maduro, o comitê de governança não deveria nem poder funcionar por falta de número mínimo de membros.
Um dos casos mais importantes, segundo ele, foi a pressão “indevida” feita por Infantino para que ele garantisse que a candidatura de Mutko fosse aceita para o órgão máximo da Fifa, mesmo ele sendo um político russo. “Houve uma tentativa de influencia nossa decisão”, acusou.
“Mutko era vice-primeiro-ministro da Rússia e a Fifa tem uma regra de neutralidade política. Há uma clara contradição em falar de que a Fifa não aceita intervenção política e, ao mesmo tempo, ter um membro de um governo em sua cúpula”, alertou.
Maduro, porém, deixou claro que Infantino “não estava confortável” com o risco de o nome de Mutko ser rejeitado. “Ele disse que estava preocupado com o impacto que isso teria na Copa do Mundo de 2018”, explicou. Mutko ainda foi defendido por Infantino no que se refere ao escândalo de doping investigado pela Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) e que apontou a participação do governo russo no esquema. “Infantino disse que não existiam evidências e que o COI não faria nada”, garantiu.
A pressão para defender Mutko também veio da secretária-geral da Fifa, Fatma Samoura. Maduro iria mandar uma carta ao russo para o dizer que ele estaria excluído. Mas Fatma pediu para adiar o envio, alegando que isso poderia minar uma visita dela à Rússia.
Semanas depois, ela se encontrou com Maduro em Bruxelas, alertando que o caso de Mutko precisaria ser “solucionado” e que sua exclusão seria “extremamente problemática”. “Ela me disse que a Copa seria um desastre que a presidência de Infantino passaria a ser questionada”, contou o português.
Maduro respondeu que seu mandato o obrigava a tomar decisões com base em regras. Mas sugeriu, ironicamente, que a Fifa colocasse em seu estatuto que a política deveria se sobrepor à lei. “Decidimos que Mutko não era compatível e que sua eleição seria uma contradição com a neutralidade política da Fifa”, contou o ex-dirigente.
Em resposta, ele conta que recebeu um e-mail de Infantino dizendo que a decisão gerava “grande preocupação”. “Isso iria custar sua presidência, pois a Copa seria desastrosa e a presidência colocada sob questão”, disse Maduro.
CONMEBOL – O português, durante a audiência, também denunciou a Conmebol, apontando que a entidade sul-americana vive “uma situação difícil”. Segundo Maduro, ele foi procurado pelo presidente da Conmebol, Alejandro Dominguez.
“Eles tinham convocado eleições sem um prazo suficiente. Eu o disse que não poderia ir dessa forma. Mas ele respondeu que iria de qualquer forma e que nós teríamos de encontrar uma solução e que ele teria de ir adiante”, contou. Na avaliação de Maduro, os cartolas da Conmebol e da Fifa “nem sabem o quanto esse comportamento é ruim” para a administração.
Para ele, o que existe hoje na Fifa e no futebol é “uma cultura de governança sem o estado de direito”. “Há uma cultura que começa nas federações nacionais, do domínio da resistência contra a transparência, independência de controles”, disse.
“Imagine se você um dia acordasse em seu país e o governo havia removido o procurador-geral e o presidente da corte suprema. É isso o que ocorreu na Fifa”, disse. “Não estavam prontos para defender controles independentes em suas atividades”, atacou. Para ele, não adianta mudar a liderança na Fifa, “se a cultura continua a mesma”.
Questionado sobre o papel de Infantino, Maduro aponta que o suíço “tomou o caminho errado”. “O problema é que a cultura é tão enraizada que eles não aceitam as consequências das reformas. E isso vem desde a base, nas federações”, insistiu. “Não é suficiente mudar a liderança, se o sistema é mantido”, disse. “Infantino escolheu sobreviver como presidente e fez a escolha errada”, afirmou Maduro, que foi demitido por defender a independência dos órgãos de controle.
Segundo ele, Infantino teria de ter protegido os mecanismos independentes da entidade, contra a pressão dos demais cartolas. “Mas escolheu atender a seu eleitorado para sobreviver politicamente”, disse. “Ele colocou uma influência indevida sobre nós”.
Para ele, apenas uma “pressão externa” irá mudar a Fifa. Ele sugere, por exemplo, que governos se unam para exigir certas regras na entidade, sob a condição de que não passariam a poder atuar em diferentes locais do mundo. “Na Fifa, os dirigentes querem a lei. Mas com a condição de que ela seja usada apenas para punir seus inimigos”, completou.