Variedades

Português lamenta ‘pouco intercâmbio’ com Brasil

Em um poema reproduzido à exaustão em provas escolares, Oswald de Andrade provoca: “Quando o português chegou / Debaixo duma bruta chuva / Vestiu o índio / Que pena! Fosse uma manhã de sol / O índio tinha despido / O português”. O estranhamento proveniente da ambiguidade do título, Erro de Português, coloca em xeque a confiança que temos na linguagem. Uma sensação parecida de desorientação emana da prosa de Gonçalo M. Tavares em seu novo livro, O Torcicologologista, Excelência, publicado no Brasil pela editora Dublinense.

O escritor angolano radicado em Portugal veio ao País para a palestra Literatura, Imaginação e Realidade, que ocorreu ontem, como parte do Experimenta Portugal 2017, evento promovido pelo Consulado-Geral de Portugal em São Paulo. Entre este sábado, 24, e 16 de outubro, a Pinacoteca recebe uma mostra com parte do acervo do Museu Nacional Soares dos Reis; e no dia 28 de junho, o Theatro Municipal oferece seu palco para o recital e aula de José Eduardo Martins.

O novo livro de Tavares é composto por microcontos independentes que formam uma espécie de unidade e estabelecem diálogos entre si. Ao partir de temas cotidianos para chegar a uma conclusão supostamente absurda, o autor subverte a lógica da linguagem. “O escritor é crente na linguagem, mas absolutamente desconfiado dela, pois não é uma coisa natural do mundo. Um cão não produz a palavra cão, não nascem frutos da palavra árvore”, afirma em entrevista ao Estado.

O escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984) comparava o romance ao cinema e os contos à fotografia, mas Tavares prefere outro caminho: “O cinema é composto de uma sequência de fotografias. Quando vemos um filme de Tarkovski, cada fotograma tem a qualidade de uma foto. Se pararmos e analisarmos uma frase, ela deve ter força suficiente para viver sozinha. Claro que a narrativa vai colocar as frases em sequência, mas a fotografia é a frase e a narrativa visual ou escrita, pode ser o cinema”.

Tavares acredita que a literatura brasileira não é muito difundida em Portugal, e vice-versa. “Tenho pena que não haja maior intercâmbio, não haja editoras comuns, uma língua transnacional, como existe em língua espanhola, por exemplo”, lamenta ele, que negou essa tendência para ser publicado em outros países, mas tem uma trajetória literária peculiar.

Embora tenha começado a escrever muito jovem, Tavares passou mais de uma década sem tornar seus escritos públicos antes de debutar em O Livro da Dança (2001). “Acho que sem esse percurso inicial, nada seria possível”, conta o autor. “Foi decisivo, faz parte de uma construção. Foi um trabalho essencial de ler muitos clássicos, ler de uma forma quase animal”, completa.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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