Há 35 anos, a cantora portuguesa Eugénia Melo e Castro se divide entre Portugal e Brasil. Entre lá e cá. Sua relação com a música brasileira – e parceria com músicos e compositores daqui – é notória. Em 1994, ela gravou o disco Canta Vinicius de Moraes, com a participação do maestro Tom Jobim, grande parceiro do poetinha, em voz e piano na faixa Canta, Canta Mais, além da presença de outros grandes nomes como Wagner Tiso e Egberto Gismonti. “Fui a única portuguesa que gravou com Tom Jobim e foi a última gravação dele”, diz Eugénia, que mora em Lisboa e já está de volta ao Brasil. “Eu adorava vê-lo cantar Vinicius, Johnny Alf e as coisas dele.”
Sua discografia inclui outros dois belos discos dedicados a autores brasileiros: Desconstrução, de 2005, com obra de Chico Buarque, e Um Gosto de Sol, de 2012, em que faz uma incursão pelos compositores mineiros, do Clube da Esquina de Milton Nascimento, Lô Borges, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, entre outros. “Sempre cantei (as músicas brasileiras) em português de Portugal, sempre fiz questão de nunca cantar com sotaque brasileiro. Dei minha interpretação, que gera uma outra força nas palavras. O cantar com sotaque brasileiro ou português muda tudo. As pessoas que nunca prestaram atenção na letra, de repente, em português de Portugal, ela cria um outra dimensão. E isso sempre foi meu trabalho. São 26 discos lançados em Portugal e Brasil, é uma carreira árdua, com lançamentos diferentes em 35 anos. E agora resolvi comemorar esses 35 anos.”
A comemoração se reverteu em uma temporada de shows do projeto inédito SereiA Portuguesa, no Teatro MuBE Nova Cultural, em São Paulo, às quartas e quintas-feiras, até 26 de novembro. Mas o repertório não se faz com sua releitura da música brasileira.
Agora, ela apresenta uma seleção totalmente dedicada ao cancioneiro português, entre clássicos e fados, escolhidos a partir da sua memória afetiva e também do conhecimento do público brasileiro. Em suas apresentações no Brasil, Eugénia costuma cantar algumas canções portuguesas, mas também partem da plateia muitos pedidos para que ela interprete canções emblemáticas da sua terra.
“São canções tradicionais portuguesas e fados que nunca cantei na vida, só cantei, por exemplo, Maldição. Sempre cantei dois ou três, mas nunca cantei um repertório inteiro. Então, fui aprender a cantar essas músicas, algumas são do folclore português, outras são fados e outras são canções”, descreve. “Portugal é muito rico culturalmente. Há uma imensa diversidade de coisas lá, e eu quis mostrar um pouco disso, fazer um espetáculo em que eu pudesse comentar um pouco o que se passa em meu país, como nós, portugueses, estamos musicalmente.”
O repertório agrupa clássicos como Casa Portuguesa, Foi Deus, Olhos Castanhos, Canoas do Tejo, Maldição e Fado da Açorda. O show encerra com Eugénia cantando uma parceria dela com Alemão do Cavaco, Deixa Eu Entrar no Samba Aí, cujo refrão diz que “nem sempre o samba é alegria, nem sempre o fado é sofredor”, fazendo essa ponte entre Brasil e Portugal. “Não sou fadista, não tenho alma de fadista, mas estou a pedir licença para o universo do fado. Como aqui no Brasil se pede licença para entrar no samba, lá em Portugal, pedimos licença para entrar no fado.”
A direção musical do show é do brasileiro Swami Jr., que também se apresenta nos violões, com Olivinho no acordeom. Eugénia conta que trabalha há muito tempo com Swami, que já gravou e tocou com nomes como Omara Portuondo, Elza Soares, Chico César, entre muitos outros. Por que um músico brasileiro à frente de um show com repertório essencialmente português? “Ele é um cidadão do mundo, tem uma bagagem cultural. Está na primeira linha de músicos”, diz a cantora. “Há aqui um universo que cruza, foi isso que sempre procurei.”
EUGÉNIA MELO E CASTRO
Teatro MuBE Nova Cultural. Avenida Europa, 218, Jd. Europa, telefone 4301-7521. 4ª e 5ª, às 21 h. R$ 30. Até 26/11.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.