Todas os tragédias e notícias sobre o Brasil não cabem na dramaturgia brasileira. Mas há artistas que ainda acreditam que um espetáculo pode iluminar a consciência do público sobre temas como a nossa crise política – como se as pessoas não tivessem acesso à internet. Em cartaz no Sesc Pompeia, o espetáculo Pousada Refúgio, de Leonardo Cortez, desiste do papel de denúncia desenfreada sem deixar de discutir as consequências de um país e uma sociedade cada vez mais instáveis.
O mesmo autor de Sala dos Professores conta que a atualidade continua sendo seu principal objeto de interesse, mas que na nova montagem, o desafio foi ajustar o enfoque. “Minhas peças sempre falam do aqui e do agora, mas desta vez escrever sobre o que está acontecendo no Brasil, essa desesperança, as mobilizações inócuas, me pareceu óbvio, há muita gente debruçada.”
Na peça, um casal de publicitários frustrados com o que a profissão se tornou criam um recanto no meio da natureza e passam a receber visitantes que queiram se exilar, entre eles uma psicóloga e um professor de biologia. “É o tipo de pessoa que trabalha para poder escapar, seja nas férias, no fim de semana, isso vai alimentando uma neurose. Gasta-se dinheiro e a solução é trabalhar mais para pagar tudo, mas sempre com o desejo de fugir, se descolar do sistema”, explica o autor que também está em cena.
Durante um jantar, os hóspedes divagam entre a distância dos sonhos e a realidade que se impõe. “Eles mergulham na crise e para se recuperarem projetam os planos, mas como a futuro segue ameaçado, não há como se sustentar.”
O diretor Pedro Granato conta que seu desejo de pensar no Brasil contemporâneo uniu-se com a parceria de Cortez e que na encenação deu prioridade em reafirmar que este desejo de fuga ultrapassa profissões e classes sociais. “Criei uma aura moderna, com uma cenografia de móveis descolados, hipster. A ideia é buscar pontos de contato com o público, sem estigmatizar a classe média, mas unir todos na origem desse sentimento de fuga, que não está apenas no artista ou intelectual. Todo mundo quer, de vez em quando, fugir e se enfiar no mato.”