Uma semana depois de parte de sua bancada aderir ao governo com a entrada de André Fufuca (MA) no Ministério do Esporte, o comando do PP aprovou uma agenda central que, na prática, pode dificultar o apoio a diversas votações de interesse do Executivo. Produzido sob a coordenação da senadora Tereza Cristina (MS), que é cotada até como candidata a presidente em 2026, o documento elenca uma série de princípios que o partido considera "inegociáveis" ou "cláusulas pétreas" e que, segundo ela, "nortearão as ações e políticas" da legenda.
Embora haja pontos que se coadunam com o discurso do governo, como a defesa do desenvolvimento econômico sustentável, com estabilidade financeira caminhando ao lado de justiça social e redução da pobreza, há reiterações da sigla na centro-direita, com princípios contra o aumento de impostos, em defesa da liberdade econômica, e indicações contra o aborto, por exemplo.
Nas redes sociais, o presidente da sigla, Ciro Nogueira (PI), exaltou a resolução e publicou uma foto de água e óleo, que não se misturam. A publicação se dá no momento em que outro líder da legenda, o presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), se aproxima cada vez mais do governo ao patrocinar a entrada de parte da bancada na base do Executivo.
Na postagem, Ciro Nogueira afirma o partido pode inclusive fechar questão nas convicções centrais expostas no documento, o que abriria espaço para punição a membros do PP que votassem com o governo em alguns desses temas sem a concordância da legenda. "São a nossa essência, o que nos fazem sermos o que somos. A nossa identidade para dizer, em última instância: água e óleo não se misturam! Em nossas convicções centrais, fecharemos até questão. Seremos uma só voz", resumiu.
Ciro Nogueira, um ex-aliado de Lula que tornou-se ministro da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro (PL), tem sido um dos principais críticos da aproximação do PP com o governo.
Ele faz críticas quase diárias a Lula e à gestão petista nas redes e teria desaconselhado André Fufuca a assumir o Ministério do Esporte, como disse o próprio ministro em entrevista recente ao <b>Estadão</b>.
Entre os 11 pontos, o PP começa destacando o "respeito à Constituição Federal e à segurança jurídica". "Aspiramos a um Brasil onde as regras são claras, justas e consistentemente aplicadas, assegurando a cada brasileiro a convicção de que seus direitos, garantidos pela nossa Carta Magna, serão respeitados e protegidos", afirma o partido.
No segundo tópico, o PP trata da defesa de "políticas fiscais equilibradas" e "contra o aumento de impostos". A postura da legenda vem no momento em que o governo quer aprovar no Congresso medidas que permitam o aumento da arrecadação, de modo a zerar o déficit em 2024, como prevê o novo arcabouço fiscal. Entre essas medidas estão, por exemplo, propostas para tributar investidores de fundos offshore, fora do país, e exclusivos, chamados de fundos dos "super-ricos", o que enfrenta resistência na Câmara.
"Ademais, deixamos claro que somos contra o aumento de impostos no Brasil e não aceitaremos retrocessos, por exemplo com a tentativa de retorno da contribuição sindical compulsória", diz o PP, fazendo referência ao recente debate no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a cobrança de taxa sindical, que tem adeptos no governo.
O PP também finca o pé na defesa da liberdade econômica e dos direitos de propriedade. "Almejamos uma nação onde empreendedores, livres de entraves burocráticos, possam dedicar-se plenamente à inovação e à geração de negócios transformadores".
Quanto ao respeito à propriedade privada, a sigla aponta o objetivo do Estado de "proteger propriedades, combater invasões e assegurar os direitos dos legítimos proprietários".
O PP, que já viu no passado membros da legenda envolvidos em acusação de aparelhamento e corrupção em estatais em governos petistas, aponta defender a eficiência no gasto pública com gestão profissional das empresas que pertencem ao Estado. "Enxergamos um futuro onde as empresas estatais são regidas por mérito e competência, alinhadas à uma gestão transparente e voltada para resultados", afirma a sigla no documento, complementando que "esta abordagem elimina o espaço para práticas corruptas, indicações políticas e desperdício de dinheiro público".
O partido também defende o que chama de "privatizações estratégicas" em alguns setores, sem apontar, porém, quais seriam as empresas e áreas que poderiam passar por essa desestatização.
Em um dos pontos que mais se choca com o discurso de grupos de esquerda que sustentam o governo e que defendem a possibilidade de ampliar as hipóteses para o aborto legal, o PP faz uma defesa da "valorização da vida desde sua concepção até a terceira idade", apontando que seria um pilar fundamental para moldar uma sociedade mais cuidadosa e respeitosa". "Enfatizamos que todas as vidas possuem valor inestimável, e este princípio abrange desde os não nascidos até mulheres grávidas, famílias e idosos".
O PP também reserva um capítulo especial para tratar da segurança pública, do combate às drogas e da corrupção. "Buscamos um Brasil onde o consumo de substâncias nocivas seja vigorosamente combatido, protegendo nossos jovens e famílias dos impactos negativos do vício", diz a legenda, enfatizando políticas preventivas, como educação, incentivo ao esporte e geração de oportunidades, além de serviços de saúde mental em apoio aos dependentes.
O documento traz, por outro lado, pautas mais convergentes com o discurso de membros do governo, como a ampliação de investimento e valorização de profissionais da saúde, com fortalecimento do SUS, investimento em infraestrutura e desenvolvimento sustentável, com proteção ao meio ambiente, valorização da cultura e do turismo brasileiros e um arcabouço de medidas de proteção social para redução da pobreza.