Frequentemente usada em pacientes com artrose grave, uma prótese de joelho sai de fábrica no Brasil por R$ 2 mil, mas pode custar nove vezes mais ao plano de saúde. Já o preço de um mesmo tipo de gerador de marca-passo varia de R$ 29 mil a R$ 90 mil ao convênio médico, dependendo da região brasileira onde é comercializado. A disparidade de custos, apontada em levantamento da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) obtido pela reportagem, chega a 1.000% em alguns produtos de saúde.
A análise mostra que a diferença traz problemas para as operadoras, mas não só para elas. Os altos custos dos itens médicos serão um dos principais responsáveis pelo reajuste elevado nas mensalidades dos planos de saúde que será anunciado nas próximas semanas.
De acordo com a FenaSaúde, que representa as maiores operadoras do País, questões como a ausência de regras claras para a concorrência entre empresas e o pagamento de comissões para hospitais e médicos na comercialização de produtos vêm elevando os custos assistenciais das operadoras muito acima da inflação.
“Os preços de cada plano são formados a partir dos cálculos atuariais. Calcula-se o valor de cada gasto e a frequência com que cada procedimento é usado. Quando a despesa evolui acima do esperado por causa de práticas nocivas, a parte que acaba mais lesada é o fim da cadeia, ou seja, o consumidor”, diz Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da FenaSaúde.
De acordo com a federação, a despesa assistencial per capita cresceu 129% entre 2007 e 2015, enquanto a inflação oficial foi de 64,5% no mesmo período.
Comissões
No exemplo da prótese de joelho, a federação descobriu que, para o preço passar de R$ 2 mil da fábrica para R$ 18 mil ao plano de saúde, foram incorporados quase 20% de comissão ao médico – prática proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) -, outros 20% de lucro para o hospital onde é realizada a cirurgia de implantação da prótese (sem contar as despesas de cirurgia e internação), 12,7% para o distribuidor e 2,8% para o vendedor.
“É preciso uma boa regulação, com regras para as práticas concorrenciais, sistemas de informação mais eficientes, revisão das questões de exclusividade de distribuidores, combate a fraudes e a crimes no âmbito da saúde e adoção de registro e nomenclatura para os itens médicos”, afirma Solange.
As disparidades de preços por regiões também chamam a atenção das operadoras. O levantamento da federação encontrou diferença de até 1.000% no valor de um mesmo item, caso de um stent metálico coronariano, cujo preço variou de R$ 450 a R$ 4,9 mil.
Para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), algum grau de variação nos preços entre regiões pode acontecer por fatores como custos de transporte, armazenamento, carga de impostos ou questões da própria negociação, que pode ser influenciada pelo nível de concorrência do mercado e pela quantidade de dispositivos adquiridos, por exemplo.
No entanto, segundo a agência, discrepâncias elevadas podem, sim, ser indícios de abuso entre os elos da cadeia. “Claro que isso onera todas as partes, até mesmo o financiador final, que é o beneficiário ou as empresas que pagam planos aos seus funcionários”, diz Martha Oliveira, diretora de desenvolvimento setorial da ANS.
Medidas
No ano passado, a agência participou de um grupo de trabalho interministerial para analisar formas de coibir práticas irregulares no chamado setor de OPMEs (órteses, próteses e materiais especiais), como comissões para médicos e a aplicação de preços abusivos. Os custos com esse tipo de material representam 10% de todas as despesas assistenciais das operadoras, mas em alguns planos consomem até 27% desse orçamento.
Segundo Martha, algumas das mudanças que deverão ser anunciadas nos próximos meses para evitar preços indevidos e práticas ilegais são a adoção, por parte dos planos, de protocolos clínicos com indicação clara do uso de cada material e a padronização da nomenclatura de produtos idênticos ou similares. Como não há essa padronização, diz a diretora da ANS, o fabricante pode hoje alterar um parafuso no produto e elevar de forma indevida seu preço.
Martha ressalta ainda que deverá ser implementado um sistema de transparência para que os planos e os consumidores acompanhem o custo real de produção e distribuição.
Com isso, seria mais difícil a execução de práticas como o pagamento de comissões a médicos que usarem em suas cirurgias o material de determinado fabricante.
“Como esse é um mercado livre, não se pode estipular preços, mas, conforme a gente vai fomentando a transparência e mostrando quanto custou a produção daquele item, a gente diminui as assimetrias”, diz.
A ANS é quem define o porcentual de reajuste para os planos individuais e familiares. O índice, que no ano passado foi de 13,55%, costuma ser anunciado entre maio e junho de cada ano. Já nos planos coletivos, como os empresariais, a negociação é feita diretamente entre a operadora do plano e a empresa contratante e não há limite de aumento do preço.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.